sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Tonacci entre “Bang Bang” e “Serras da Desordem









Andrea Tonacci nasceu na Itália em 1944, mas ainda na infância veio para o Brasil para se instalar na cidade de São Paulo, onde reside até hoje. Na década de 70, passou a “existir” (como ele próprio costuma dizer) para o cinema, após ganhar notoriedade - sem qualquer tipo de glamour - com “Bang Bang” e se tornar um dos principais nomes do chamado Cinema Marginal.

No dia 30 de setembro, Tonacci recebeu o Cinequanon em sua casa, que também é a sede de sua produtora, a Extemart. Falou sobre assuntos como a história de “Serras da Desordem”, seu trabalho com a questão indígena, sobre “Bang Bang”, seu processo criativo e fez também uma inquietante reflexão sobre os avanços tecnológicos e a dominação cultural. A entrevista foi concedida a Liciane Mamede, Fernando Watanabe, Fábio Yamaji e Marcelo Miranda.




Cinequanon - Fale um pouco sobre o “Serras da Desordem”, desde a concepção do projeto.

Tonacci – Para a realização do “Serras”, a soma de dois fatores foi determinante: havia as minhas motivações e as do Possuelo, um cara que cuida do departamento de índios isolados da Funai. Ele queria escrever um livro para relatar as experiências mais interessantes que ele teve no comando desse departamento. Mas, ele é um cara de ação, não tem muita paciência pra essas coisas, é quase um soldado. Então, como éramos amigo - eu já havia feito algumas expedições com ele –, o que eu fiz, durante uns 3 ou 4 meses, foi ir com ele para Brasília. Sentávamos no parque, comíamos pipoca e eu pegava um gravadorzinho pra registrar as histórias que ele relatava. Uma das histórias mais interessantes que ele me contou foi essa do índio Carapiru. Nela, o Possuelo conta que resgatou o Carapiru ainda menino. Essa história coincide com minha vida pessoal: foi na época em que eu me separei de minha família. O sentimento de perda era muito grande, eu tinha dois filhos.

Bom, a historia do Carapiru é a de um homem que tem a família destruída durante um ataque de fazendeiros. Durante dez anos, ele desaparece, anda pelo Brasil central e é encontrado na Bahia, a quase 2000 km de onde desapareceu. Ele foi então levado para Brasília e o acaso fez com que um dos jovens que fora identificá-lo fosse um rapaz de 18 anos, órfão, criado na Funai, também tirado de uma fazenda. Quando os dois se encontraram, descobriram ser pai e filho. Reencontram-se. É uma história de perda no tempo, mas também pode ser uma história de esperança.

Acho que fui pego pelo sentimento de isolamento do Carapiru, me identifiquei com isso. O Carapiru acaba sendo um alter-ego meu, porque o Andrea é aquele cara que não agüenta a porra da cidade, essa loucura toda, e quer ficar no mato. Funcionou um pouco assim, era um sentimento de perda que eu conhecia e poderia expressar. Eu não queria expressar o sentimento do índio ou analisar sua historia. Tudo era um gancho para a minha historia, para o meu aprendizado. Era o meu olhar sobre esse sentimento. Que é um sentimento humano e bem atual, com toda essa coisa de guerras, explosões e tal. Eu até tentei uma versão que era urbana e tratava de um desses refugiados na miséria que acabava barbudo andando pela cidade e após 10 anos reencontrava o pai na rua. Mas não consegui adaptar meu alter-ego nesse cara urbano porque o personagem teria que ser muito mais puro e idealista. Então o índio é um pouco objeto dessa historia toda.


Cinequanon – No “Serras”, o personagem que faz o Carapiru é o próprio Carapiru. Essa era a intenção desde o começo?

Tonacci - Não. Na primeira fase do roteiro, “Serras” ainda tinha atores. Começou como ficção. Mas era complicado colocar alguém representando o índio sem ser índio. E ainda bem que não pintou dinheiro, tentei a lei do audiovisual durante anos. Então simplifiquei, “vamos transformar isso num documentário”. Mas ainda tinha a minha história pessoal e não era uma historinha qualquer. Senão fosse por isso, eu poderia terceirizar o filme.

Finalmente, inscrevi o projeto no Minc (Ministério da Cultura), como ficção. Tinha um ator mais outras pessoas reais da história. O ator seria o personagem que acompanharia a equipe de filmagem, seria uma espécie de alter-ego que comentaria as situações. Eu fiz um teste com o Peréio, mas percebi que a idéia não dava. Não, não era por aí... E foi bom que essa versão não se concretizou. Porque aí entrou o próprio Carapiru.


Cinequanon - Então virou uma ficção e documentário...

Tonacci – Não, o filme é uma ficção. O olhar documentário entra como ficção.


Cinequanon – E como foi o processo com esses não-atores que viveram a história real? Eles te ajudaram bastante a formatar a idéia?

Tonacci - Totalmente. Eles são 100% a essência do que viveram. E eu não conheço o sentimento deles, eu conheço o que eles me contam. Eu fui três vezes ao Maranhão, conheci o Carapiru, fiz o percurso dele, conheci as pessoas que o resgataram lá na Bahia, fui “bater” onde ele “bateu”, tudo antes de filmar. E aí eu perguntei ao Carapiru, se ele toparia viajar de novo tudo isso. Ele disse que sim desde que ele voltasse pra aldeia dele. Nessa segunda viagem, eu já ia gravando os depoimentos. Também consultei esse pessoal da Bahia pra ver se eles gostariam de rever o Carapiru e eles disseram que sim.

Nós fomos para a Bahia e íamos encenando a historia. Mas, se tivesse reencenando com atores profissionais não teria funcionado. Por exemplo: lá, eu escondi o Carapiru, cheguei apenas com a equipe e o deixei com um rádio. Preparei o pessoal, criei expectativa de que ele ia chegar e quando achei que era o momento certo, falei “ Carapiru, vem”. Foi, de fato, o primeiro reencontro entre Carapiru e o pessoal da Bahia, a coisa foi bem espontânea. Eles entenderam bem isso, reviveram aquele momento que tinha ficado no passado.


Cinequanon – Então após toda essas mudanças do projeto, você acha que essa longa espera pela viabilização foi benéfica?

Tonacci – Sim. A gente reclama porque é muito tempo, mas a vontade continua presente e evolui, não fica fechada num roteiro como numa novela, ela é um processo vital. Eu me transformei ao longo do tempo, o mundo mudou e eu integrei essas coisas novas no filme.


Cinequanon – Por quantos anos você batalhou?

Tonacci - A idéia para esse filme nasceu em 93. A primeira grana saiu em 2001. A segunda é em 2003. Só aí consegui filmar.


Cinequanon – “Bang Bang” e agora “Serras” são seus filmes mais notórios. Os dois têm uma linguagem de choques estéticos e narrativos. Isso o interessa como cineasta ou foi a forma que você achou para dizer o que queria? Esses choques são coisas que o interessam no cinema?

Tonacci – Não, eu gosto é de cinema. Quanto aos meus projetos, não existe nenhuma intenção de chegar a qualquer forma, ela é absolutamente gerada pelo conteúdo e pelo olhar sobre a situação que eu quero reproduzir. É uma visualização espontânea. Eu busco, mas já não encontro imagens que admiro em tudo que se apresenta para mim. No processo de escrever um roteiro e imaginar o filme, às vezes me vêem imagens que eu já vi e eu tendo a eliminá-las. É um processo de me sentir livre, não existe mais aquilo de “eu gosto disso e vou por no filme”. Não sei se é a idade, mas você vai se desapegando de tudo isso e vai confiando mais no seu próprio olhar, não precisa mais dessa mala. Vai fazendo, o caminho é esse.


Cinequanon – Você está dizendo que no “Bang Bang” não havia a intenção premeditada de causar o choque.

Tonacci – Não. No “Bang Bang” tinha sim, tem até citações nesse filme.


Cinequanon – Era algo programado então.

Tonacci – Sim, as citações são cópias, apesar de serem minha forma de olhar para aquilo. Existem momentos que foram copiados no bom sentido, ou melhor, são momentos reencontrados. Vocês lêem Borges? Sabe aquele personagem que reescreve uma história que ele leu e acredita tanto no que leu que para ele aquilo se torna verdade e é honesto, é absolutamente verdadeiro, o cara reviveu os momentos. Por exemplo, a cena do “Bang Bang” em que estão o Peréio e a Joana na mesa e a câmera vai pra lá e pra cá, aquilo é Godard puro. Mas o Peréio em frente ao espelho e os caras chegando no vidro, aquilo é Andrea, e essas coisas vão rolando. Mas é só, não posso citar referências explícitas. Geralmente, as imagens vêm das circunstancias. Cada cena gera a sua. O filme se revela na edição, ele começa a falar e é ele que determina seu desenvolvimento. Até um certo ponto você vai dando uma estrutura, vai armando, mas depois você segue aquilo que o filme te diz.


Cinequanon - Talvez seja por isso que Bang Bang tenha causado toda essa repercussão. Você esperava?

Tonacci – Até hoje causa... Mas o “Bang Bang” é uma surpresa para mim.


Cinequanon – Por que você fez “Bang Bang”?

Tonacci - Pela mesma energia, mesma ansiedade, mesma necessidade. Eu me lembro que, no início, o roteiro do “Bang Bang” era uma historinha policial, um personagem perseguido por bandidos que queriam o que ele tinha etc. Mas, à medida, que você começa a olhar para essa historinha, é para você que você olha. Não existe estar fora e narrar a coisa de fora, não dá. A gente só consegue falar do que conhece. O resto é pesquisa, levantamento, conclusão, sei lá... Mas o conhecimento de algum sentimento, de um gosto ou de um tato é um conhecimento pessoal. Na indústria cinematográfica, você cumpre uma função, o cinema moderno é estruturado em funções e em coisas estanques. Eventualmente, as pessoas nem se conhecem, não existe uma coesão de idéias, mas elas acabam trabalhando juntas. Meu trabalho é diferente disso, é feito com a integração. Eu escolho meu fotografo não porque ele é famoso ou porque ele é um cara muito conhecido em fotografia, mas pelo olhar dele. O Ruy Weber, que faz a música do filme, é um músico que toca na noite, é um professor de música, não é conhecido, foi a primeira vez que trabalhou com cinema e eu acho que ele fez um puta trabalho. São encontros.


Cinequanon – Por coincidência, você “reapareceu” junto com o Edgard Navarro. Coincidência porque vocês dois são cineastas marcados por trabalhos nos anos 70 e que não conseguiram filmar mais, seja por falta de recursos, por problemas com projetos. Como é que você enxerga hoje o ostracismo e as dificuldades de filmar que teve, isto é uma característica do Brasil ou foi uma opção sua?

Tonacci – Olha, eu acho que foram ambas as coisas, fatores relacionados ao período em que a gente viveu e fatores pessoais. Neste tempo, eu batalhei muitos filmes, eu posso até citar - acredito que com o Edgard foi a mesma coisa. Eu tentei fazer um filme chamado “Debaixo da Árvore”. Durante 10 anos, eu tentei fazer um filme chamado “Agora Nunca Mais”. Tentei na época da Embrafilme, depois entrei na lei do Audiovisual com esse projeto e nunca consegui um tostão. Ao mesmo tempo, eu tenho que viver e fui fazer outras coisas. Ainda assim, esses projetos tiveram força para virar roteiros e foram tentados durante anos. Mas, com o tempo novos projetos foram surgindo e outros ficaram para trás. Pode ser que num outro momento eles sejam retomados como sentimento, como emoção. Eu não sou indústria, onde você faz um planejamento, formata e depois aquilo vira módulo e daí pra frente é método. Não é isso, é bem mais orgânico. Eu não parei de trabalhar. No meio desse processo teve aquele longa com a Ruth Escobar e o Victor Garcia, “Interprete mais, pague mais”, que foi feito em vídeo – acho que foi o primeiro trabalho feito em vídeo e depois passado para filme. Depois teve “Conversas do Maranhão”, um longa. Tiveram os programas dos Araras (uma comunidade indígena) e mais todos os filmes que eu fiz com os índios. Existem trabalhos que eu fiz diretamente para eles.


Cinequanon – O que foi “Conversas do Maranhão”?

Tonacci - Filmei “Conversas do Maranhão” em 76 com uma câmera 16mm. Foi um projeto que tinha a intenção de registrar o olhar alheio. Eu segui uma orientação dos índios. Eles acharam interessante. Quando os mais velhos entenderam o que era a câmera, o registro e o poder daquilo, eles se sentaram em frente ao equipamento e disseram: “Sr. Presidente, o que nós queremos é isso e aquilo, etc.” Levei anos pra montar. Acabou virando o “Conversas do Maranhão”, com 2 horas de duração. Nunca passou, ofereci para a televisão, para a TV Cultura, mas ninguém quis.


Cinequanon - O que motivou você a buscar essa experiência?

Tonnaci - Era uma época muito dinâmica na política. O cinema, a TV, e o rádio, toda a mídia usada como um instrumento político. Mas o vídeo era uma coisa autônoma e a gente era jovem, queríamos descobrir como o vídeo funcionaria nas mãos do outro. Um outro que não estivesse condicionado à linha reta, ao espaço plano, nem à tecnologia, nem à reprodução, nada. Ele é o ser da floresta. Então, que olhar era esse? Era uma busca desse olho ingênuo, que não vê cinema, não vê TV. Então, a idéia de botar a câmera na mão do outro tinha essa ilusão - e pretensão - de capturar um outro olhar.


Cinequanon – Uma busca por um olhar não impregnado pela nossa cultura, um olhar puro...

Tonnaci - Isso é uma fantasia que eu tive. Na verdade, a sociedade condiciona qualquer um, seja em moda, seja em tecnologia, em tudo. A tecnologia é nossa forma materializada de um certo poder sobre as coisas, sobre a imagem, sobre o som, sobre a realidade. Uma câmera nas mãos do outro é mais um instrumento de dominação do que de libertação. No máximo ele vai repetir nosso olhar. Porque eu vejo o cinema, um filme, a linguagem, como uma materialização do que é nossa imaginação. Mas, depois dos Araras, houve um momento em que eu senti que os índios tinham virado um objeto meu. E quando você percebe que está manipulando o ser para um interesse seu, acaba. O momento específico quando que eu percebi que estava começando a usar o outro foi quando eu estava num morro em Altamira, na Curva Grande do Xingu, no Pará. Os Araras quiseram vir para conhecer minha aldeia. Eu fui conhecer a deles e eles quiseram conhecer a minha. E queriam de toda a forma, pelados do jeito que estavam. Foi aí que a Funai disse: “Vocês querem vir com a gente? Tudo bem”. Vestiram eles para levar para a cidade e levaram. Eu documentei essa história. Um dos lugares onde a gente foi, no tomo alto dessa serra, dava para avistar toda a cidade. Eles estavam todos vestidos de óculos, boné e tudo mais que chamava a atenção. Foi nesse momento que acabou o ciclo indígena. Só me restou assumir que tudo tinha virado um objeto narrativo para expressar meu conhecimento, minhas dores, minhas fantasias.


Cinequanon - Você percebeu que aquilo era mais expressão de você mesmo.

Tonnaci – É, porque a partir daí vira manipulação, vira televisão, vira notícia, vira noticiário, vira reportagem, tudo que é objetivamente para outra coisa que não para o conhecimento e para a experiência daquilo e a imagem daquela experiência, enfim o próprio processo.


Cinequanon – Tudo isso culminou em Serras, você com todo o arcabouço da experiência...

Tonnaci – Mas o fato é que essa experiência acaba não sendo consciente, ela acaba explodindo. É claro que existe um caldeirão fervendo e ela surge daí. Ferveu, condensou, plim, é a pinga. Tem coisas que a gente não sabe. Acredito que o processo criativo é o processo e não o produto. E o filme é vivo enquanto ele tiver uma simbologia aberta que permita aos outros atribuir sentidos e viajar na qualidade. Na medida em que ele fica fechado no tempo, perde sua atualidade, sua contemporaneidade. É pretensão? É. Mas, fazer um filme é se conhecer, se transformar e ter, digamos, o mínimo de responsabilidade, sabendo que aquelas imagens serão vistas por alguém. Quando se faz cinema, arte ou qualquer coisa que implique numa determinada disposição do outro, há uma interferência no mundo, essa é a pretensão. Você está interferindo. Quando uma imagem bate, aquilo fica registrado.


Cinequanon – Você pode comparar, por exemplo, a expectativa que você tinha com “Bang Bang” e agora com “Serras da Desordem”.

Tonacci – “Bang Bang” me deu existência como um cara de cinema. Tudo bem, tinha feito “Blá Blá Blá” antes, que ganhou Brasília, mas eu era moleque, tinha 21 anos, sei lá, não me lembro a idade exata. “Bang Bang” passa a fazer Andrea existir no cinema. E por quê? Porque existia um crítico de cinema que se chamava Novaes Teixeira, que era um senhor de idade, já falecido há muito tempo, que veio ao Brasil, curtiu o filme, levou pra quinzena, exibiu e publicou uma puta matéria no Estado. Paulo Emílio assistiu, fez outra matéria, então de repente, Andrea passou a existir como o cara que fez “Bang Bang”. Só que, se de um lado “Bang Bang” cria essa existência, por outro, ele também me marca como aquele doido, aquele louco, cara que joga fora dinheiro, faz filmes desse tipo. Então, pro Andrea pegar dinheiro depois foi mais difícil.


Cinequanon – Quando você viu “Serras da Desordem” pronto, qual foi sua reação?

Tonacci – Me surpreendeu. A gente não sabe, às vezes, o filme que faz.


Cinequanon – Você se surpreendeu consigo mesmo? Que tipo de choque foi esse, o que se passou pela sua cabeça?

Tonacci – Enquanto você vê rolo a rolo, ainda não dá para ter a percepção do que é o filme. A primeira vez que o vi inteiro, seguido de fato, vamos dizer assim, foi um sentimento. É o ato. Antes eu tinha visto ele na ilha de edição. Mas, é quando ele assume a escala de cinema, em que você fica pequeno em relação à imagem, que a dimensão emocional te pega. Quando assisti pela primeira vez, me emocionei, chorei com o personagem... E eu, porra, sou público como qualquer um diante desse filme. Ele funcionou comigo, então vai funcionar.


Cinequanon – Então você acha que “Serras” vai ter uma boa recepção de público, não falo de bilheteria, mas dessa emoção que você descreve...

Tonacci – Olha, das sessões que eu fiz até hoje, que foram meia dúzia, em todas elas eu só recebi uma resposta agressiva, digamos. Foi lá em Gramado, de um jornalista da CBN que questionou essa coisa do dinheiro público, essa história de índio. Mas eu não quis levar muito a sério e respondi formalmente. Em relação à platéia, eu estou muito satisfeito, me surpreende, acho que o filme funciona. Claro que ninguém pretende agradar a todo mundo, a idéia não é agradar, a idéia é as pessoas se envolverem com a história, aquilo ficar um pouco na cabeça delas. Se isso existe, o filme cumpriu sua função. Eu, assim, já vivi, já atravessei essas emoções em sentimentos.


Cinequanon – E quais são suas perspectivas, você espera lançar o “Serras”?

Tonacci – Claro, quero lançar no ano que vem. Tentar lançar também o filme fora, estou me dedicando a isso.


Cinequanon – E em relação ao “Bang Bang”?

Tonacci – Então, sobre o lançamento em DVD, tenho dois nomes, um é a Versátil e o outro é a Aurora de Recife. São distribuidoras que poderiam eventualmente... (Cristina Amaral chega). Eis a montadora e segunda diretora.


Cinequanon – Mas vocês chegaram a fazer um contrato?

Tonacci – Não, só falei pelo telefone. Além disso, precisa ter algum dinheiro para produzir essas coisas, não tem jeito. Mas a idéia é atrelar o lançamento de “Serras”, eventualmente, ao lançamento de um DVD do “Bang Bang”, que nunca foi lançado.


Cinequanon – Sabemos que você chegou a cogitar a idéia de exibir “Bang Bang” sem respeitar a ordem dos rolos. O lançamento do DVD seria uma possibilidade de realização tardia desse seu projeto?

Tonacci – Bang Bang tinha uma estrutura livre, eu tinha feito o filme em blocos e os rolos poderiam ser trocados, mas isso não foi aceito, não foi permitido. Mas veja bem, as obras se transformam e vão tomando uma forma. A forma consistente de “Bang Bang” agora é essa. Lá para trás, já foi. Pertence à alma da coisa, mas não ao seu estado atual. A possibilidade de escolher por capítulos que o DVD nos dá, não é mais um exercício de linguagem, é uma possibilidade técnica de qualquer trabalho. Você desmonta qualquer trabalho e remonta. Você não faz isso com letras? Com palavras no computador? Na literatura se fez isso antes.


Cinequanon – Você acha que tantas possibilidades tiram um pouco a graça?

Tonacci – Não é que tira a graça. Não tira nem aumenta. São coisas diferentes. Nada nunca anulou o que tinha antes. Sempre acabou acrescentando mais e mais e mais. Eu enxergo assim. Isso acontece com a música eletrônica, quando surge o MUG, quando surgem aquelas coisas todas. Com a imagem é a mesma coisa, você vê hoje com o digital, com o virtual. Um decodificador de códigos é isso, uma desestruturação, uma reestruturação. Quando foram montar o som de “Sagrada Família” do Sílvio Lanna, feito paralelamente a “Bang Bang” - isso foi o Veloso que me contou - eles simplesmente cortaram o magnético em muitos pedacinhos, misturaram tudo, remendaram e usaram aquela composição como a trilha sonora de alguns pedaços do filme. Eles sabiam mais ou menos no que iria resultar, mas valia a experiência, a tentativa. Esse lado experimental existia sim.


Cinequanon – Para fechar então, você está com algum projeto engatilhado?

Tonacci – Eu não tenho nada. Tenho um roteiro anterior que se chama “Agora nunca mais”. É um filme sobre o fim do mundo urbano. Coisa nova, eu tenho evitado. Tenho buscado me voltar para algumas questões e vontades mais antigas. Não indígenas exatamente, mas questões culturais da América. Eu gostaria muito de trabalhar um projetão, muito antigo que tenho na cabeça, de fazer uma narrativa da história deste continente, devolvendo-lhe a importância histórica. Nesses países que têm origens indígenas, Peru, Bolívia, México, as pessoas sabem que têm uma história que não se inicia apenas com a chegada dos europeus. Não são como a gente aqui no Brasil, para os quais nação é apenas um conceito. Para eles é raça. Eles têm uma consciência de nação que no Brasil a gente não tem. Eles têm uma consciência de continente. Eles sabem do Brasil mais do que muitos brasileiros. A gente vai para Bolívia e o Brasil para eles é imperialista. Os Estados Unidos pra gente é o Brasil para eles. É assim mesmo, e isso 20 anos atrás, imagina hoje. Então é um projeto que tenta, através do cinema, amarrando um pouco as pessoas em cada país, fazer uma narrativa a respeito da história do continente, focando em suas raízes indígenas. No México, eu conheci um grupo, onde os velhos tinham se organizado, estudaram línguas, cada um estudou uma língua, alemão, inglês, francês, e eles foram para a Europa pesquisar e visitar todos os museus. Eles queriam saber onde é que estavam os objetos deles e foram buscar a história que havia sido roubada. Isso 20 anos atrás. É sempre um consumo de um ponto de vista da história, nunca é gerado realmente pelas próprias pessoas. É difícil financiar um projeto desses. Essas pessoas acabam tendo necessidades muito mais vitais do que filmar ou contar histórias. Mas se a gente consegue amarrar o interesse. Bom, mas você me perguntou e eu estou fantasiando. Fantasiar é isso, é barato, não custa nada e a gente acabou indo parar na América Latina inteira.


Cinequanon – Tem dado muita entrevista?
Tonacci - Agora? Não muita e não tenho fugido. Agora é o momento de falar do filme.

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