sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

O DESCOMPASSO ENTRE A ANTIGA E ANOVA ESCOLA:
SOBRE PAUL NEWMAN E ALFRED HITCHCOCK



Hoje a idéia corriqueira de grande ator é a do o ator versátil que pode ser uma multidão. Reconhecemos os personagens fortes criados no cinema e depois os atores que os criaram: fala-se mais em Vito Corleone e menos em Marlon Brando; fala-se em Toni Montana e menos em Pacino; fala-se mais em Jake La Motta e menos em De Niro. Mesmo quando lembramos primeiro dos grandes atores modernos e não dos personagens, lembramos como eles são versáteis e encarnam muitos tipos. Esse tipo de valor é bastante consolidado.

Antes John Wayne, Cary Grant e Gary Cooper eram sempre eles mesmos, porém representavam algo sólido que transcendia o culto da personalidade (hoje é quase o contrário no mundo das estrelas). Hoje isso geralmente, segundo essa lógica moderna da arte de interpretar, é um problema ou é visto com algo menor. Clint Eastwood, por exemplo, pode até ser visto como grande diretor, porém só a idade lhe trouxe o prestígio de ator respeitável, já que ele sempre representou o mesmo tipo (o tough Guy, seja cowboy ou policial) e fez carreira em uma época em que atores que interpretavam mafiosos e retardados com a mesma gravidade estavam no Olimpo oscarizado.

 

Esse conflito entre diferentes escolas de interpretação – e também entre o clássico e o moderno em Hollywood – talvez tenha seu episódio mais representativo no embate entre Alfred Hitchcock e Paul Newman, em ocasião da filmagem de Cortina Rasgada.

A relação de Hitchcock com os atores é peculiar. Quando ele disse que “ator é gado”, muita gente levou a mal, como se ele considerasse que o ator não era mais do que uma peça cenográfica animada. Muitas vezes que críticos e cineastas atacaram a escola de interpretação da Hollywood clássica usou-se essa frase de Hitchcock como exemplo, a fim de dizer que ele (e alguns outros cineastas) não era mais do que um diretor aplicado a fazer somente iconografia humana com seus atores. Isso é bobagem, pois ele amava os atores e seus estilos: Cary Grant e sua elegante falta de jeito; a emoção implosiva e puritana de James Stewart; Ingrid Bergman e sua sexualidade expressada pelos olhos e pela respiração de boca semi-cerrada; o movimento e a postura de Grace Kelly, que conseguia revelar sua silhueta, mesmo estando escondida sob um figurino recatado e virginal. Ele prezava atores que sabiam fazer o mínimo para tornar evidente o carisma e a personalidade, que integravam sua humanidade e charme a um mundo de formas e cálculos (o  cinema).

  

O ator como elemento humano fulgurante em um mundo que é todo artifício.

Daí seu problema com Paul Newman em Cortina Rasgada. O que se faz sentir no filme é o descompasso quase inconciliável entre o astro e o mundo do diretor. Para Newman, grande artista formado pelo método Stanislavski, era necessário construir uma verdade, a verdade do personagem. Ao passo que para Hitchcock o importante não era a verdade construída pelo ator (seus filmes já eram cheios de construções artificiais), mas o ator mesmo, sua verdade mesma, natural, seu charme e carisma ontológicos que agonizavam em mundo falso e provisório.

“Dirigir Cary Grant é só colocar a câmera na frente dele”, já disse Hitch a Peter Bogdanovich. Já Paul Newman era imprevisível e queria discutir motivações. Grant tinha consciência de sua imagem e que era isso que importava no cinema. Desse modo o ator se adequava perfeitamente ao método do diretor. Para Newman a imagem era transmutável, não era uma verdade em si mesma. Isso criou um conflito que se faz sentir no filme. Paul Newman está em outra rotação.

Francis Vogner dos Reis

Nenhum comentário:

Postar um comentário