Avaliação: NOTA 7
 
 


Dreamworks parece ter encontrado seu rumo e filão: aventura! Depois da boa continuação de “Kung Fu Panda”, desta vez é este “Gato de Botas”, produção derivada da franquia “Shrek” que entrega um misto de adrenalina e diversão na dose certa. É interessante notar que, por mais que os dois últimos filmes da franquia do Ogro Verde sejam vacilantes, os bons momentos daqueles longas geralmente vinham do Gato de Botas, que, de fato, é um dos personagens mais carismáticos daquela série.

Assim, sem surpreender ninguém, um spin-off com o mercenário felino foi preparado. Acertadamente, a história nada tem a ver com aquelas apresentadas ao longo das aventuras de Shrek, se passando antes do pântano do Ogro ser invadido. Assim, os roteiristas tiveram mais liberdade na hora de desenvolver a trama. Ou seja, quem nunca havia visto um filme do verdão, pode embarcar nesta jornada solo do Gato sem problemas.

Aqui, somos apresentados às origens do personagem. Após ser acusado de um crime que não cometeu, o Gato de Botas é forçado a fugir da vila onde fora criado, sobrevivendo de roubos mundo à fora. Anos depois, após tentar roubar os famosos feijões mágicos que levam ao castelo do Gigante, o Gato é confrontado por seu antigo amigo, o oval Humpty Dumpty e pela gatuna Kitty Pata-Mansa, que orquestram o golpe do século: capturar a gansa dos ovos de ouro. Mas, como em todo filme de assalto, reviravoltas esperam o peludo protagonista em sua jornada, levando-o a confrontar o seu doloroso passado.

O Gato ainda possui aquela aura de galã de novela mexicana que o torna tão divertido. Isso, além de sua postura abusada perante o perigo e do olhar manhoso que é sua marca registrada, o transformam no herói fofinho meio cafajeste perfeito para o estilo de matinê que o longa se propõe a ser.

Interessante notar quão vasto o universo de “Shrek” é. Sabemos que estamos no mesmo mundo que Shrek, Fiona e Burro, mas aqui conhecemos outras culturas existentes dentro daquele lugar. Enquanto os longas da série original tinham um visual mais anglo-saxão e germânico , “Gato de Botas”, mesmo ainda usando as fábulas daqueles povos, abraça o jeito latino de seu herói, remetendo diretamente à produções como “A Balada do Pistoleiro” e “A Máscara do Zorro”, não por coincidência, filmes estrelados por Antonio Banderas, dublador do Gato.

O diretor Chris Miller parece ter sido profundamente influenciado pela história do Mariachi que Banderas viveu nos filmes de Robert Rodriguez. Tal influência é perceptível na dubiedade dos personagens que o Gato encontra em seu caminho, na direção de arte da produção, na trilha sonora… Até mesmo Kitty, o interesse amoroso do Gato aqui, é dublada por Salma Hayek, em uma quase reunião de El Mariachi e sua amada Carolina. Por mais que essas referências sejam perceptíveis, elas não são exageradas, não criando ruído, mas ajudando a separar esta fita das participações anteriores do Gato como coadjuvante.

Kitty e Humpty possuem uma ótima química com o Gato. Mesmo que a sedutora gatinha ladra não tenha seu passado ou motivações exploradas de maneira mais profunda pelo roteiro (algumas insinuações são feitas, mas nada sendo explicitado), os momentos que ela divide com seu amor felino são ótimos, com destaque para sua reação ao flashback do herói. Já o ovo acaba sendo um dos personagens mais dissecados durante a projeção, com a origem de seus sentimentos ambíguos para com o Gato expostos junto ao público de maneira bastante aberta.

A relação entre o Gato e Humpty Dumpty acaba sendo o enfoque principal do filme, até porque o arco dramático dos dois está intrinsicamente ligado. É uma pena que, em seu terço final, o filme insista em um final mais “clássico”, dando chances de redenção para todos os personagens ali de um modo meio Disney, o que tira um pouco até mesmo do peso de um dos momentos mais fortes do clímax da obra.

A ação é constante e conta com sequências bastante agitadas, como o duelo de dança e o ataque à carroça dos vilões Jack e Jill. A própria sequência do roubo também é bastante empolgante. No entanto, há uma queda perceptível no ritmo da película após o segundo ato, o mistério do mostro final acaba não recompensando todo o investimento e, em alguns momentos, o Gato de Botas parece ficar em segundo plano com relações aos demais personagens.

“Gato de Botas” tem seus defeitos. Não é nenhuma obra-prima, mas o charme latino do protagonista e do próprio longa acabam conquistando o público, sendo impossível não soltar um “Ownnnnnn!” quando o Gato lança seu olhar manhoso.
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Thiago Siqueira
 é crítico de cinema do CCR e participante fixo do RapaduraCast. Advogado por profissão e cinéfilo por natureza, é membro do CCR desde 2007. Formou-se em cursos de Crítica Cinematográfica e História e Estética do Cinema.