quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

A vida de Domingos Oliveira é no palco

Em entrevista ao iG, diretor entra em cena para falar de sua obra e ideias

Marco Tomazzoni, iG São Paulo


Foto: Divulgação
Domingos Oliveira no cartaz do documentário Domingos, dirigido pela atriz Maria Flor
Quem vê a capa de Minha Vida no Teatro (Leya, 416 páginas, R$ 59,90) pensa que se trata de uma biografia de Domingos Oliveira, lembrado com uma foto gigantesca. Não é nada disso. O livro tem uma (pequena) parcela de memória e reflexão, mas se dedica a reunir as peças mais recentes escritas pelo dramaturgo, diretor e cineasta: são nove, apenas na última década.

Aos 73 anos, Domingos não pensa em escrever uma biografia porque, afirma, falar de outra vida que não fosse o teatro seria “quase como mentir”. Belas frases são fartas em sua obra que, ele faz questão de lembrar, acumula mais de 150 trabalhos, entre espetáculos, filmes e programas de televisão.

Sua estreia no cinema aconteceu com Todas as Mulheres do Mundo (1967), talvez o longa-metragem mais importante de sua carreira. Nele, através do alterego Paulo José, ilustra seu romance com a deslumbrante Leila Diniz, com quem foi casado durante anos. Edu Coração de Ouro, Separações, Feminices e Juventude vieram na sequência e são exemplos de uma filmografia já extensa.



Foto: Divulgação
De olhos esbugalhados, nos bastidores da peça Apocalipse segundo Domingos Oliveira
A fartura, no entanto, se deu no palco. Foram dezenas de peças, sempre ao lado de grandes como Fernanda Montenegro, Marco Nanini, Dina Sfat, José Wilker e Marília Pêra. Sucessos não faltam, entre eles Confissões de Adolescente, baseado nos diários da filha Maria Mariana, e Todo Mundo Tem Problemas Sexuais, que virou filme. Fazer teatro, Domingos filosofa, é “beber o vinho de uma existência inteira na taça frágil de uma hora”.

Pouco tempo depois de encenar no Rio a autobiográfica Do Fundo do Lago Escuro, no qual interpretou sua avó, e com a série Anjos do Sexo sendo exibida pela Band, ele continua um poço de ideias. Tem outros filmes a caminho e prepara um novo espetáculo ao lado da mulher, Priscilla Rozenbaum, sua musa inspiradora. Na conversa a seguir, dividida em duas partes, Domingos fala da autoajuda da arte, de política, da falta de autores no teatro, de como o cinema não é uma vocação brasileira, da paixão pela música, Woody Allen e, assim como ele, da obsessão com a mortalidade. “O homem que depois dos 40 anos não tem preocupação com a morte é um imbecil.”

iG: Como surgiu o projeto desse livro?
Domingos Oliveira: A editora Leya me procurou para publicar a minha obra. Várias peças já estão publicadas por outras editoras, mas quero ver se fico com todas na Leya. O primeiro volume, Minha Vida no Teatro, tem nove peças escritas nos últimos dez anos. É um livro caprichado, edição muito bonita. Os editores não têm muito interesse em editar teatro, é difícil – “leia uma peça de teatro” –, tanto que publiquei muito pouco na minha vida. Agora veio essa oferta e combinamos de fazer um livro teatral, um livro que teça mais ou menos os movimentos do espetáculo. Tem um longo prefácio para situar cada peça. O início é marcado por letras enormes e o clímax por uma cor diferente de página, coisas que ficam obrigatórias de ler, não é possível pulá-las. Escrevi um prefácio longo falando de todas as peças que fiz, e termino com Do Tamanho da Vida e a Carta ao Jovem Ator.

Esse acordo com a editora também prevê os roteiros de cinema?
Não pensamos nisso, não, mas vamos acabar chegando lá. Meu nome é ligado a 150 títulos, entre cinema, televisão e teatro, em que estou diretamente vinculado: sou autor, diretor ou ator. De modo que a obra é grande. O próximo livro acho que vai envolver a minha filosofia, em várias peças.

Como assim, a filosofia?
Tenho um livro escrito há alguns anos chamado Duas ou Três Coisas que Sei Dela, a Vida. Agora, passado um tempo, não sei duas ou três, sei três ou quatro, de modo que o livro possivelmente vai se chamar Três ou Quatro Coisas que Sei Dela, ou senão A Vida É Uma Puta. É um livro de autoajuda. Acho que toda arte é uma atividade de autoajuda, é para melhorar a vida de quem lê, ou de quem vê. Se não melhorar, se não ajudar o conhecimento objetivo, podemos usar nossa vida numa obra de arte. Às vezes esse sentimento não pode ser entendido, mas é a arte da vida, para ajudar a vida.



Foto: Divulgação
"A vocação brasileira é a comédia"
Estamos falando do interesse em publicar a sua obra, de como é extensa, mas já li você falando que ela era medíocre. Que parâmetro você usou para falar uma coisa dessas?
Essa é uma frase minha de charme. Sou um autor que faz um grande esforço para pensar que não sou. Acho que é delicadeza de um autor. Mas quando digo que minha obra é medíocre, é comparada com a grande literatura, com Dostoiévski, Tolstoi, não cheguei lá. Mas gosto muito do meu trabalho.

Falando em russos, você escreveu sobre um ensaio para uma peça de Tchécov que "o pranto trava a voz, confunde os pensamentos. Não tem nada a ver com teatro". Não quero pegar uma frase isolada, mas você prefere a comédia ao drama? Aparentemente suas comédias tem um sucesso maior com o público.
A vocação brasileira é a comédia. São raros os dramas brasileiros, e a comédia me parece ser o modo mais eficaz de falar sério no mundo atualmente. Se quer falar sério, faça uma comédia. Agora, a comédia é nobilizada pelo drama: o que nobiliza a comédia é a lágrima, ela que dá esse aval. De modo que as comédias que faço, chamo de “comédias comoventes”, sempre buscando a emoção. Buscando elevar os sentimentos. Das peças que escrevo, não têm pessoas que gostam – têm pessoas que amam. É o oposto do sentimento medíocre.

Você acompanha a cena de teatro do Rio hoje?
Sempre que posso, acompanho, mas é difícil ver uma peça ou filme brasileiro porque sempre tem um chato que chega antes de você e diz: “É uma droga, não vê não”. E você tem muitos bons filmes para ver em casa em DVD, ou outro em cartaz no cinema que é razoável. Mas eu adoro ver teatro.

Você tem algum dramaturgo que admire em atividade?
Não tem muita gente escrevendo, não, meu. De escrever teatro continuamente. Eu sou um dos únicos. Em dez anos, escrevi nove peças. É raro.



Foto: Divulgação
 
Por que será?
Primeiro porque é muito difícil. É muito mais fácil escrever um roteiro de cinema. O cinema é a vida sem as partes chatas. No cinema, quando a coisa está chata, pode sempre se mostrar uma paisagem. O teatro não tem essa saída: é um homem só. O que o homem fala e o homem faz, é só isso que o teatro tem como recurso. É maravilhoso isso, mas é preciso estudar, e os governos de modo geral não entenderam que é preciso apoiar os dramaturgos e escolas de dramaturgia. Você pode escrever um romance sem ter aprendido nada, um roteiro de cinema sem ter aprendido nada, mas uma peça de teatro...

Você acha que devia haver um incentivo do governo para se escrever peças, é isso?
É, uma compreensão melhor do que é o teatro. Acho que a função social do teatro é uma coisa muito grande, uma das unidades mais importantes da sociedade, assim como a arte em geral. Se fechassem todos os teatros e cinemas, a cidade ruiria, porque é a arte que mostra ao homem suas qualidades: a honra, a nobreza de ideias, a liberdade de pensamento, as coisas que constituem a humanidade. É algo parecido com o cinema: a bilheteria não sustenta ninguém, depende-se de patrocínios. Mas assim mesmo o teatro brasileiro é muito vivo. Não muito de autores, mas... Acho que nossos atores são ótimos, nossos diretores também. Tem muita gente boa. É uma brava gente. Na verdade, não existe gente melhor.

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