sábado, 17 de dezembro de 2011

Entrevista: Celso Fonseca

Com 15 álbuns na bagagem, o guitarrista, compositor e cantor busca ampliar seu público com o novo No Meu Filme
 
Mostrando a Cara


por Antônio do Amaral Rocha

Com 30 anos de carreira, sendo um guitarrista que acompanhou grande parte do primeiro time da música brasileira e 15 discos solos lançados, além da carreira internacional, você ainda é pouco conhecido do grande público. 

Quem é Celso Fonseca?
Sou um compositor, cantor e instrumentista brasileiro. Comecei tocando guitarra, acompanhando muita gente da MPB, primeiro como acompanhante, depois como músico de estúdio e, mais tarde, como produtor. Nestas três funções eu já trabalhei com mais da metade da música brasileira, que vai de Gilberto Gil, Caetano Veloso, Milton Nascimento, Jorge Ben Jor, Marisa Monte, Erasmo Carlos, Zeca Baleiro, Paulinho Moska, Daniela Mercury, Virgina Rodrigues, Martnália. Com Gil, especificamente, toquei durante muito tempo em sua banda, e também na de Djavan, Milton Nascimento e Gal Costa na turnê do disco Plural. Paralelo a isso, comecei a compor e conheci Ronaldo Bastos, que é o meu parceiro mais constante, em 1985, no mesmo ano em que Gal e Caetano lançaram "Sorte", que foi a primeira música minha a ser gravada por grandes nomes da MPB. Para mim foi uma emoção muito grande. Naquele momento, em 1985, não pensava ainda em cantar, pensava em levar uma vida de compositor. Gal Costa ouviu uma demo minha com "Sorte" e me incentivou a cantar, e passou a ser a minha primeira incentivadora.

E a sua carreira de produtor?
Toquei e gravei com essas pessoas durante muito tempo e depois comecei a produzir. Produzi Vinícius Cantuária, Dulce Quental, Daúde, Gilberto Gil [o disco O Eterno Deus Mu Dança]. Paralelamente, a minha carreira como compositor foi seguindo e fui gravado por muita gente, como Maria Bethânia, Ney Matogrosso, Zizi Possi, Nana Caymmi, entre tantos. E em 1986, gravei o meu primeiro disco, Minha Cara, que saiu em vinil e nunca foi relançado. Depois gravei O Som do Sim em 1991 e depois Sorte, que foi o primeiro da trilogia com Ronaldo Bastos. Foi um conceito de disco de compositor que eu inventei, porque já naquela época eu percebia que o nome do cantor era muito falado, mas o nome do compositor não. E o Ronaldo já era um grande compositor, parceiro de todo o Clube da Esquina. Com o Sorte eu fiz questão que a gente marcasse bem isso, como se fosse uma parceria, como tantas parcerias que se caracterizam pelo nome dos dois compositores. Depois disso fizemos o Paradiso e o Slow Motion Bossa Nova, depois Polaroid e agora a gente refez o Paradiso. 

Como é sua carreira no exterior?
Mais ou menos por volta de 2002/2003, a minha carreira deu uma guinada para o exterior. Tive dois discos lançados pela Crammed Disc [Natural, 2003 e Rive Gauche Rio, 2005], que é a mesma gravadora belga que lançou a Bebel Gilberto. Fui o segundo artista brasileiro contratado pela Crammed. E com essa guinada passei uns cinco, seis anos seguidos fazendo muitos shows e turnês na Europa, Estados Unidos, Japão..

Com 30 anos de carreira você acha que é mais fácil o artista brasileiro fazer mais sucesso no exterior do que aqui no Brasil?
Eu não sei se é mais fácil. O que eu sei é que fora do Brasil o público tem um fascínio pela música brasileira e pelos músicos brasileiros. A música brasileira realmente é muito querida tanto na Europa, quanto nos Estados Unidos e no Japão. É uma coisa rítmica que encanta a eles. Mas tem também uma coisa da letra, tem uma coisa da melodia. Nos meus discos anteriores havia algumas letras em inglês, e nas turnês eu sempre cantava em inglês. Nos países de língua inglesa, muitas vezes as pessoas me pediam pra cantar em português, porque diziam que a sonoridade da língua é bonita. Eles veem uma musicalidade grande inclusive na sonoridade da nossa língua. Eles têm essa paixão e essa vontade de aprender a tocar a música que a gente toca e fazer a música que a gente faz. Aqui no Brasil, em um determinado momento, talvez tenha havido uma inversão, talvez a música brasileira tenha tido um pouco de vontade de ser americana, de ser inglesa, caracterizada pelo rock, pelo funk, do que propriamente ser a música brasileira, que é muito rica harmonicamente e consequentemente não é uma música fácil de se fazer. Uma das maiores emoções que eu tive aconteceu no Japão, para onde eu já fui oito vezes. A primeira vez que eu fui lá, eu vi a plateia cantando as minhas músicas em português, o que é uma loucura. Tem um pouco isso: você mostra para eles uma música que eles não sabem fazer e pela qual eles têm uma admiração profunda. A história da música popular brasileira é a história de uma música sofisticada harmonicamente, e isso é uma coisa que para eles soa de uma forma muito interessante. Eles ficam muito impressionados como a gente consegue tocar no rádio coisas que pra eles seriam impensáveis, porque são muito complexas harmonicamente.

No seu disco mais recente, No Meu Filme, você toca guitarra em todas as faixas em uma levada que lembra George Benson.
Na verdade eu comecei tocando jazz, gosto muito e foi tocando jazz que descobri que poderia ser um compositor. Afinal, se eu já improvisava em cima de um acorde porque eu não poderia compor? E sempre admirei, primeiro o Wes Montgomery, que foi uma das minhas primeiras influências, depois o Pat Matheney, enfim, sempre admirei esse tipo de guitarrista que toca com guitarra semiacústica. Realmente gosto muito do George Benson e tem uma similaridade nas coisas que eu toco com as coisas que ele toca.

O que você tem a dizer sobre a sonoridade de No Meu Filme? Ela lembra algo do show brasileiro dos anos oitenta, especialmente com relação aos metais presentes nos arranjos e a um certo balanço. Isso foi proposital? 

Propositalmente eu queria que fosse assim. Tem esse clima. Acho que é a música que manda no compositor. Na verdade, eu só obedeço o que a música pede, e o que ela pedia nesse momento era um disco feliz. Tenho uma série de músicas no meu IPod do gênero "para ser feliz", exatamente esse tipo de música. Tem Gil do Luar, Lança Perfume da Rita Lee, que são aquelas músicas que te transmitem uma coisa bacana. Ao mesmo tempo em que eu compus músicas novas, eu fui buscar lá atrás algumas outras que também tivessem a característica desse clima do final dos anos setenta, começo dos anos oitenta, Banda Black Rio.

Os arranjos de Eduardo Souto Neto lembram muito a sonoridade inventada por Lincoln Olivetti.
Exatamente. O Serginho Trombone, que fez os arranjos de metais, fazia parte daquele legendário naipe de metais do Lincoln Olivetti. E o Jorjão Barreto, que toca teclados neste disco, também tocou muito aqueles arranjos do Lincoln. Então, eu queria mesmo que remetesse àquele som. Acho o Lincoln um músico excepcional, um gênio. Já ouvi coisas do Lincoln que são coisas de gênio. E o disco ficou com essa cara, não é um disco datado, mas tem essa referência.

Você declarou que existe uma diferença entre os seus álbuns anteriores e este. Aqueles eram mais melancólicos e este é alegre, solar.
Esse disco é um pouco trilha sonora. O Jorge Drexler, que é muito meu amigo, esteve comigo e eu mostrei o disco para ele e para banda. E eles me falaram exatamente isso: que é um disco para se tocar no carro e sair andando pelo Rio, uma trilha sonora do Rio. Eu acho que os anteriores tinham um pouco disso também, mas neste está mais evidente, está mais claro.

Por que você preferiu masterizar o No Meu Filme nos Estúdios Abbey Road de Londres? Teria alguma diferença se fosse no Brasil?
Eu sempre fiz todos os meus discos no Brasil, mas dessa vez eu quis experimentar só pra ver de que jeito ficaria, mas não que aqui não ficasse bom. E lá pude sentir que os caras são realmente craques. Tem alguma coisa de especial ali que faz uma diferença. É curiosa a maneira com que eles ouvem a música brasileira, e tem muita coisa que pra eles é curioso, a sonoridade de certos instrumentos, do violão. Eles fazem completamente diferente do que se estivessem masterizando um disco de música americana.

Como é o seu processo de criação? Quando você pensa em um tema já vem junto o que você quer dizer com aquele tema?
Às vezes. Na verdade, não segue muito um padrão. A minha música é muito imagética, como se a música viesse ao compositor em forma de imagens. A música sugere um tema, sugere um lugar, se é uma música mais solar, que tenha como fundo uma praia, ou um pouco mais fechada, mais melancólica. Na maioria das vezes, elas vêm com a ideia da letra, embora eu componha muito com o Ronaldo Bastos, mas também faço letras. Às vezes vem junto, às vezes a música vem primeiro e aí eu fico procurando uma letra para ela. Eu sou muito intuitivo e não tem nada planejado. Compor ainda é um mistério, apesar dos meus 30 anos fazendo isso, mas tem sempre uma conexão com aquilo que a gente está vivendo.

O que você tem a dizer sobre essa dificuldade tipicamente brasileira de creditarem corretamente os autores de certas canções?
Tem uma história engraçada que aconteceu comigo em São Paulo. Uma vez, em uma pizzaria, tinha um camarada tocando violão e cantando. E cantou "Sorte". Depois da apresentação ele passou de mesa em mesa oferecendo o CD dele. Uma das pessoas que estava na mesa comigo perguntou se ele sabia que a música "Sorte" que ele havia cantado era desse cara aqui, no caso, eu. E o cara, desconfiado, falou: “Não, de jeito nenhum, essa música é do Caetano Veloso” [risos]. Falei: “Você tem razão, a música é minha, mas o Caetano interpretou essa música com a Gal de uma forma tão bacana que até parece dele”.

Uma das faixas mais tocantes de No Meu Filme é "Ninho Vazio". Fale sobre essa canção.
Ela é uma dessas músicas que... exatamente por isso eu afirmo que composição pra mim ainda é um mistério. "Ninho Vazio" foi feita em vinte minutos e eu acho que é daquelas músicas que precisam ser feitas. Faz parte daquelas músicas que são terapêuticas, que são essenciais para deixar a alma da gente mais leve, deixar o coração mais tranquilo. É uma coisa que eu precisava falar, é como se fosse um bálsamo. Depois de terminada te deixa tranquilo, dá um apaziguamento. E propositalmente só coloquei filho no final, mas poderia ser sobre um relacionamento qualquer, homem/mulher. Ali eu amarrei a história toda.

Você continua lendo esta matéria na edição 63 da Rolling Stone Brasil, Dezembro/2011.

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