Avaliação: nota 10
 



Raramente paramos para pensar como somos afetados por nosso meio. Por meio de um ato hediondo, este “Lola” faz com que passemos a compreender os lados opostos de um assassinato, inserido em uma realidade quase que saída de um pesadelo. O título do filme se refere à “avó”, como são chamadas as duas senhoras de idade que protagonizam a história. Sepa (Anita Linda) teve seu neto assassinado durante o roubo de um celular, tendo sido o criminoso, Mateo (Ketchup Eusebio), preso. A avó de Mateo, a orgulhosa Puring (Rusticia Carpio), tenta de tudo para soltar o seu neto. A partir daí, acompanhamos o drama das duas senhoras, ambas em condições de vida dificílimas.

Dirigido por Brillante Mendoza e roteirizado por Linda Casimiro, os realizadores filipinos não se mostram reticentes em retratar a periferia da capital Manila com um olhar cru e visceral. Mendoza mistura em seu elenco atores profissionais e pessoas comuns, o que ressalta o realismo das figuras retratadas na tela.

As veteranas Anita Linda e Rusticia Carpio entregam performances maravilhosas e carregam o filme com uma segurança ímpar, com destaque para esta última, especialmente nas cenas em que esta visita sua irmã mais nova e a que envolve seu derradeiro diálogo com Sepa. Nestas sequências, Carpio mostra sua personagem tendo de se utilizar de subterfúgios para manter sua dignidade, em circunstâncias extremas.

Também é digno de crédito o fato de que o filme não tenta endeusar nenhuma de suas protagonistas, com ambas sendo capazes de ações merecedoras de repulsa e louvor, sendo simplesmente humanas falíveis capazes de tudo por amor às suas famílias. Note a naturalidade em que as duas linhas narrativas se intercalam, em um ótimo trabalho de montagem.

A imersão proposta pela película é ressaltada pela belíssima direção de arte do filme, que enfoca as condições paupérrimas nas quais vivem aqueles personagens. Mesmo a casa do procurador distrital e os escritórios das demais autoridades locais surgem sem luxo algum, não raro sofrendo alguma deterioração.

O diretor se utiliza de uma técnica de filmagem de poucos cortes, quase documental, embora em alguns momentos se permita um ou outro plano mais rebuscado, como um elegante plano plongé acompanhando uma personagem descendo uma escada. Já a fotografia do filme, em um tom dessaturado, completa o mergulho naquele mundo triste, sem cores, alegria ou esperança, no qual a vida humana pode sim ter um preço.

Aí entramos nas questões polêmicas propostas pela fita. Ao contrário do Brasil, onde a família de uma vítima de homicídio não pode desistir da ação penal contra os autores do fato típico, a lei filipina permite que um acordo seja feito entre a família do ofendido e o réu para que o processo seja extinto. No Brasil, essa prática é vedada para que não se dê um valor de pecúnia a um bem como a vida. No decorrer da projeção, passamos a compreender porque tal instituto pode ser utilizado na sociedade filipina, considerando o sofrimento pelo qual a família de Sepa passa.

Quando sentimos ojeriza por esta mera possibilidade de um acerto financeiro, o filme nos joga uma bomba. Em um trem, acompanhando a jornada de Puring, encontramos dois documentaristas americanos fazendo troça da situação precária das Filipinas, sem conhecer a realidade de seu povo.
Nossos valores podem fazer com que jamais aceitemos a possibilidade de dar um preço para a perda de um ente querido assassinado, mas não compreender o que leva um povo a fazer isso depois do que fora transmitido pelo longa seria tão ridículo quanto as gozações feitas pelos “documentaristas”. Uma obra cinematográfica nos levar a uma reflexão desse nível é a prova de seu poder. Recomendado.
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Thiago Siqueira
 é crítico de cinema do CCR e participante fixo do RapaduraCast. Advogado por profissão e cinéfilo por natureza, é membro do CCR desde 2007. Formou-se em cursos de Crítica Cinematográfica e História e Estética do Cinema.