sábado, 17 de dezembro de 2011

O Steve Jobs Que Ninguém Conheceu

Como um hippie inseguro e idealista se transformou no visionário tecnológico que mudou o mundo em que vivemos

por Jeff Goodell

Quando conheci Steve Jobs, eu o achei um fracasso. Era 1980, e eu, só um garoto do Vale do Silício que não sabia nada de computadores. Consegui um emprego em uma empresa pequena de computadores perto da minha casa, a Apple, porque minha mãe trabalhava lá. A empresa ficava no que parecia um consultório de dentista abandonado na Bandley Drive, em Cupertino, a um quarteirão ou dois da atual sede da Apple. Jobs tinha 25 anos na época, e me lembro dele andando pelo escritório, gritando, usando calças jeans esfarrapadas. Todos pareciam ter medo dele. Eu conhecia o tipo: mal-educado, tempestuoso, um cara que se acha muito bom. Na época, não tinha ideia do que os computadores representariam, nem de que esse cara se tornaria um dos maiores visionários de nosso tempo. Para mim, ele parecia só um hippie perdido. Depois de menos de um ano na Apple, saí para fazer coisas mais empolgantes (como trabalhar em uma mesa de blackjack em Lake Tahoe).

Pouco depois, entendi exatamente do que eu havia saído. Jobs não apenas transformou a Apple na empresa mais valiosa do mundo, com valor estimado em US$ 342 bilhões, como também re-escreveu as regras do negócio, combinando o idealismo dos anos 60 com o capitalismo ganancioso. Em um momento no qual o software era o modelo, ele construiu o hardware. Em um momento no qual todos se concentravam no macro, ele se concentrou no micro. Nunca foi o primeiro em nada, mas foi o melhor. Mais do que qualquer outra pessoa, é responsável por fundir a dimensão humana com o digital, por nos dar a capacidade de codificar nossos desejos mais profundos e pensamentos mais íntimos com o toque de um dedo. “Ele é o Bob Dylan das máquinas”, afirma Bono, amigo de Jobs por anos. “É o Elvis da dialética hardware-software.”

Mas quem o conhecia melhor e trabalhou mais perto dele ficou impressionado com a personalidade abrasiva e a brutalidade sem remorsos. Jobs gritava, berrava, batia o pé. Tinha uma maneira cruelmente casual de levar os funcionários à beira do abismo e deixá-los de lado; poucas pessoas quiseram trabalhar para ele duas vezes. Quando teve uma filha com a namorada de longa data Chrisann Brennan, aos 23 anos, ele não apenas negou a paternidade como notoriamente terminou com Chrisann.

“Steve sempre tinha essa coisa do James Dean, de viver rápido e morrer jovem”, conta Steve Capps, um dos principais programadores do primeiro Macintosh. Enquanto trabalhavam tarde da noite para projetar e construir a máquina que revolucionaria a computação pessoal, Jobs falava muito sobre a morte. “Era um pouco mórbido”, lembra Capps. “Ele dizia: ‘Não quero chegar aos 50’.”

Em 2005, pouco depois de ser diagnosticado com o câncer que acabou matando-o, Jobs fez um agora famoso discurso em uma formatura na Universidade Stanford, no qual saudou a morte como “provavelmente a melhor invenção da vida”, pois “elimina o velho para abrir caminho para o novo”. Talvez não seja inesperado que Jobs, o arquétipo do inventor moderno, tenha pensado na morte em tais termos. No entanto, se a morte é a maior invenção da vida, a maior invenção de Steve Jobs não foi o iPod nem o iPhone ou o iPad. Foi Steve Jobs. Antes de conseguir alterar a paisagem do mundo como a encontrou, ele primeiro teve de projetar e montar o Jobs que o mundo acabaria idolatrando.

Jobs nasceu na insegurança. A mãe dele, Joanne Schieble, era estudante de pós-graduação na Universidade de Wisconsin, onde se envolveu com um estudante sírio chamado Abdulfattah Jandali. Quando Joanne descobriu que estava grávida, o pai se opôs ao casamento. “Sem me dizer, Joanne se mudou para São Francisco para ter o bebê sem ninguém, nem eu, saber”, Jandali contaria mais tarde. Steven Paul Jobs nasceu em 24 de fevereiro de 1955. Joanne deu o bebê para Paul e Clara Jobs, um casal de classe operária de São Francisco. Não era o que Joanne queria para o filho, mas ela fez uma provisão para ele antes de ir embora. Como a primeira da família a ir para a faculdade, ela acreditava no valor da educação: antes de assinar os papéis da adoção, fez Paul e Clara prometerem mandar o filho para uma universidade.

Desde o início, Steve era uma criança temperamental. “Ele foi uma criança tão difícil”, a mãe mais tarde confessou, “que, quando tinha 2 anos, achei que tinha cometido um erro e queria devolvê-lo”. Quando o garoto tinha 3 anos, Paul se mudou com a família para Mountain View, colocando o pequeno Steve bem no meio da cultura de engenharia que estava começando a desabrochar no Vale do Silício. Na 4ª série, a professora de Steve, Imogene Hill, perguntou à classe: “O que vocês não entendem neste universo?” Quando chegou a vez de Jobs, sua resposta foi desconcertante: “Não entendo por que, de repente, estamos tão falidos”.

Jobs era bocudo e desatento demais para ser um ótimo aluno, mas, mesmo assim, pulou a 5ª série e foi diretamente para a Crittenden Middle School. Aos 11, ele anunciou aos pais que não voltaria para Crittenden, mas, em vez de lhe dizerem para aguentar firme, Paul e Clara se mudaram com a família para Los Altos, uma cidade mais rica, com um sistema escolar melhor. Foi nesses anos que o que agora conhecemos como Vale do Silício começou a desabrochar. Havia a sensação de um novo mundo surgindo, uma crença de que era possível alguém construir o próprio futuro. Você podia ser quem ou o que quisesse.

Quando Jobs tinha 14 anos, um vizinho o apresentou para um garoto mais velho chamado Steve Wozniak. “Para mim era muito difícil explicar às pessoas o tipo de projeto em que ele trabalhava”, relembrou Wozniak mais tarde. “Mas o Steve entendeu imediatamente, e gostei dele. Era meio magricela, agitado e cheio de energia.” Wozniak, cinco anos mais velho do que Jobs, era um perfeito geek: grandalhão, esquisito e obcecado com eletrônica. Jobs e Woz andavam juntos da maneira típica dos garotos, brincando e fazendo pegadinhas. No entanto, logo eles mudaram para um passatempo que mal tinha um nome naquela época: phreaking via telefone, uma das primeiras formas de hacking. Wozniak e Jobs descobriram como construir pequenas caixas azuis que imitavam os tons utilizados por operadoras de telefonia – permitindo que usuários fizessem chamadas de longa distância à vontade. Outros garotos geeks poderiam ter ficado nisso, mas, mesmo naquela época, Jobs enxergou o potencial comercial da tecnologia legal. Ele e Woz as vendiam nos dormitórios do campus da Universidade da Califórnia em Berkeley, ganhando um bom dinheiro antes de desistir, com medo de serem flagrados. Foi um teste em empreendedorismo. Mais tarde, Jobs afirmou que, sem as tais caixas azuis, não haveria a Apple.

Em 1972, aos 17 anos, Jobs conheceu uma garota de olhos verdes chamada Chrisann Brennan. Logo, embarcaram em um grande romance adolescente, tomando LSD na escola e conversando sobre O Grito Primal, um livro de Arthur Janov. Para Jobs, tomar ácido não era apenas um meio de viver uma vida mais completa – era uma forma de superar a dor de ser abandonado pelos pais biológicos. “Steve me explicou como o LSD e o grito primal abriram traumas armazenados na medula”, escreve Chrisann em um livro de memórias não publicado que ela compartilhou com a Rolling Stone. “Ele falava repetidamente sobre as ideias de Janov com relação a como mães e pais não amavam os filhos e os abandonavam de muitas formas, criando e perpetuando trauma.” Jobs era quieto e engraçado, tão tímido que Chrisann teve de tomar a iniciativa do beijo. Ele tocava violão para ela, cantando como seu herói, Bob Dylan. Desde o início, ficou claro que Jobs iria longe. “Em nosso primeiro ou segundo encontro, ele me disse que seria um milionário algum dia, e eu acreditei nele”, diz. “Steve podia ver o futuro.”

Diferentemente de Wozniak, que estava satisfeito em ficar dentro dos limites da vida geek, Jobs buscava o que queria. Assistia a filmes de arte e escrevia poemas. Ia atrás de garotas e transava muito. Experimentou com privação de sono, jejum e drogas. No verão depois do ensino médio, Steve e Chrisann saíram de casa e se mudaram para um chalé nas montanhas acima de Cupertino. Em 1972, ele deixou Chrisann para se matricular na Reed College, uma escola particular em Oregon conhecida pelo espírito livre e vibração hippie. “Depois de seis meses, não consegui ver o valor naquilo”, relembrou. “Não tinha ideia do que queria fazer com minha vida e de como uma faculdade iria me ajudar a descobrir. E aqui estava, gastando todo o dinheiro que meus pais haviam economizado a vida inteira, então decidi abandonar.”

Naquele momento, nos anos 60, parecia que todos os jovens buscadores acabavam no mesmo lugar: Índia. Na Reed College, Jobs foi apresentado aos ensinos de Neem Karoli Baba, um guru indiano cujas ideias foram popularizadas pelo escritor Ram Dass em um best-seller chamado Be Here Now [Esteja Aqui Agora]. Não demorou muito para Jobs embarcar em uma peregrinação à Índia para encontrar Baba, mas o guru morreu pouco antes de sua chegada. Jobs raspou a cabeça, caminhou pelo Himalaia e passou um mês morando em uma cabana de cimento de um cômodo em uma fazenda de batatas.

A história do nascimento da Apple é tão conhecida que pode ser praticamente contada por crianças: o Homebrew Computer Club, com Jobs e Wozniak construindo o primeiro computador na garagem dos pais, batizando a empresa em homenagem a uma fazenda de maçãs. É uma das lendas do Vale do Silício. Na Apple, a divisão de trabalho era clara: Wozniak era o cérebro técnico, Jobs era o enérgico. Jobs pressionava Woz para concluir projetos. Era Jobs quem tinha imaginação para ver que havia um negócio a ser construído com computadores pessoais.

Para Jobs, o modelo de uma startup bem-sucedida era a Atari, a empresa de videogames onde ele estava trabalhando enquanto economizava dinheiro para a viagem à Índia. No entanto, ele fundiu o empreendedorismo “fique rico rapidamente” da Atari com uma busca por iluminação dos anos 60. Larry Brilliant, que conheceu Jobs na Índia e mais tarde comandou diversas empreitadas filantrópicas no Vale, lembra que perguntou a ele por que um rapaz idealista estava iniciando uma empresa com fins lucrativos. “Você se lembra que, nos anos 60, as pessoas levantavam os punhos e diziam ‘Poder para o povo’?”, disse Jobs. “Bom, é o que estou fazendo com a Apple. Ao construir computadores pessoais baratos e colocando um em cada mesa, em cada mão, estou dando poder às pessoas. Elas não têm de passar pelos poderes supremos do mainframe – podem acessar sozinhas as informações. Podem roubar fogo da montanha. E isso vai inspirar muito mais mudanças do que qualquer organização sem fins lucrativos.” O quanto Jobs acreditava na própria retórica – e quanto dela era simplesmente marketing inteligente – é uma dúvida. De qualquer forma, sua fusão de idealismo com tecnologia foi correta para o momento: a Apple decolou. Jobs valia US$ 10 milhões aos 24 anos; um ano depois, mais de US$ 100 milhões.

No entanto, enquanto a Apple crescia, Jobs mudou. Amigos dizem que seu pavio ficou mais curto, e ele começou a tratar mal quem estava a seu redor. Tinha voltado com Chrisann e os dois moravam juntos em uma casa que Jobs alugou perto da Apple. Então, quando a Apple estava decolando, em 1977, Chrisann ficou grávida – e Jobs reagiu a expulsando de sua vida. “Ele não falava comigo”, ela conta. “Só com o advogado dele.” Jobs se recusava a lhe dar qualquer ajuda financeira, mas se opunha violentamente a dar o bebê para adoção e fez com que os amigos a pressionassem para não fazer um aborto. Depois que a filha, Lisa, nasceu, Jobs foi um pai distante, que pouco a visitava. Chrisann Brennan acabou alugando um apartamento por US$ 225 por mês e vivendo de auxílio social. Jobs continuou negando a paternidade até ela ser confirmada por um exame de DNA.

Na Apple, Jobs mostrava uma rebeldia que beirava a autodestruição. No início dos anos 80, a empresa havia ficado suficientemente grande para Jobs não conseguir mais controlar cada aspecto dela, e o popular Apple II já tinha dado o que tinha que dar. Depois de ver um protótipo de um mouse e ícones de área de trabalho durante uma visita ao Xerox PARC, um centro de pesquisas em Palo Alto, Jobs saiu convencido de que todos os computadores um dia operariam naquele modelo. Como não conseguiu convencer a alta direção da Apple, simplesmente sequestrou uma equipe que trabalhava em outro projeto, pegou as melhores ideias da Xerox e de outros lugares e acrescentou outras. O resultado foi um time de renegados na Apple, escondido em um prédio fora do campus principal, que tinha a tarefa de criar o primeiro Macintosh. A ordem que Jobs deu à equipe do Macintosh era simples: construa a máquina mais legal possível. Parecia que cada dia trazia uma nova crise: o diretório de discos não funcionava, o software estava com problemas. Atravessando isso tudo, Jobs comandou o time de oito programadores com mão de ferro, fazendo com que trabalhassem dia e noite por meses a fio. “Você trabalhava a noite inteira em alguma coisa, ele olhava aquilo de manhã e dizia: ‘Está uma droga’”, lembra Steve Capps, programador do Mac. “Ele queria que você defendesse aquilo. Se conseguisse, estava fazendo seu trabalho e Steve te respeitava. Caso contrário, acabava contigo.” Guiado pelos próprios demônios, Jobs se tornou lendário por sua capacidade de humilhar os outros. “Steve tinha as melhores e as piores qualidades de um ser humano”, diz Andy Hertzfeld, outro programador na equipe do Mac. “Todas estão nele, simultaneamente, vivendo lado a lado.”

O lançamento do novo computador, com o icônico comercial de 1984 que posicionou brilhantemente o Mac como uma ferramenta de libertação, deu ao mundo seu primeiro olhar de Steve Jobs como showman. A máquina se tornou um enorme sucesso, vendendo mais de 1 milhão de unidades e transformando a indústria dos computadores, mas Jobs estava cada vez mais incapaz de controlar a empresa que havia criado. Seus instintos ainda eram os de um adolescente. Ele recrutou John Sculley, CEO da Pepsi, para dar uma mão estável, mas provou não conseguir dividir o poder com um executivo mais experiente. Os dois discutiam constantemente. Forçada a escolher entre o rebelde-cabeça-quente e o adulto estável, a diretoria da Apple demitiu Jobs. “Aos 30, eu estava fora”, lembrou mais tarde. “E muito publicamente. Aquilo que havia sido o foco de toda a minha vida adulta havia acabado, e foi devastador.” Jobs ficou profundamente magoado. O principal trauma de sua vida, afinal de contas, foi ser dado para adoção pelos pais, e agora ele estava sendo expulso da segunda família dele, a empresa que tinha fundado. Um amigo próximo a Jobs uma vez especulou que seu impulso vinha de um desejo profundo de provar que os pais estavam errados ao abrir mão dele. Um desejo, em resumo, de ser amado – ou, mais precisamente, de provar que ele era alguém que valia a pena amar.

Independentemente do impacto psicológico, ficou claro que Jobs estava arrasado e não sabia o que fazer. Era jovem, bonito, famoso, rico e perdido. Tirou um tempo para viajar. Além disso, entrou em contato com a mãe biológica e descobriu que tinha uma irmã – a escritora Mona Simpson. Para seu crédito, também usou esse tempo para se conectar com a filha Lisa.

Em cerca de um ano, Jobs tinha um plano para voltar. Decidiu que construiria o que chamava de “a empresa perfeita”, e ela seria perfeita em cada detalhe, do logotipo cheio de estilo desenhado por Paul Rand, professor de arte em Yale, à fábrica de última geração que dispararia supercomputadores com velocidade e graça inéditas, uma maravilha da manufatura moderna. Até o nome da empresa tinha certa presunção: NeXT. Foi mais ou menos nessa época que o meu caminho cruzou novamente com o dele. Minha mulher havia conhecido Mona Simpson quando trabalhava em uma revista literária. Em 1986, quando o romance Anywhere But Here (Qualquer Lugar Menos Aqui), de Mona, foi publicado, fomos a uma festa para ela. O ambiente estava cheio de intelectuais de Nova York e Steve e a mãe de Mona, Joanne, também foram. Eu não sabia que Jobs estaria ali – ele tranquilamente se aproximou e se juntou à minha conversa com vários outros escritores. O nerd que usava jeans que conheci nos primeiros dias da Apple havia desaparecido: em seu terno com abotoamento duplo, com o cabelo escuro perfeitamente arrumado, Jobs parecia mais um playboy metrossexual do que um geek. Durante a noite, notei que as mulheres ficavam a seu redor, mas ele parecia não notar.

Na NeXT, Jobs teve sucesso ao produzir um objeto incrivelmente diferenciado – mas que provou ser caro demais para o mercado. Consumidores que compraram computadores NeXT ainda os idolatram, chamando de as mais belas máquinas já construídas – mas, no mundo real, ninguém queria pagar US$ 10 mil por um PC. Em 1994, fui à NeXT para entrevistar Jobs para a Rolling Stone. Era um dia ensolarado, e o ar salgado da baía soprava pelo prédio – mas era incrivelmente assustador porque o lugar era deserto. Jobs me encontrou na sala de reuniões. Ele tinha 39 anos, estava forte e robusto. Foi a primeira vez que o vi de barba. Havia uma qualidade Cidadão Kane naquilo tudo – o ex-grande homem no enorme castelo vazio. “Steve é um pouco como o menino da história Pedro e o Lobo”, me contou na época Robert Cringely, um escritor influente no Vale do Silício. “Ele alertou sobre a revolução vezes demais. As pessoas ainda o escutam, mas agora estão mais céticas.” Parte do ceticismo veio do fato de que, naquela época, o Vale do Silício estava mudando rapidamente. Um ano antes, um programador da Universidade do Illinois chamado Marc Andreessen havia criado o primeiro navegador Web e a revolução “ponto com” estava prestes a decolar. Havia a sensação de que algo grande estava no horizonte – algo do qual Jobs parecia não fazer parte. Não que ele estivesse alheio: falava um pouco sobre o que então estava sendo chamado de “superestrada da informação” e notou astutamente que o computador estava sendo transformado de “uma ferramenta de computação para uma ferramenta de comunicação”, mas nada que fazia na NeXT estava realmente conectado com a revolução online.

Ele claramente ainda estava magoado com a Apple – e sentia ainda mais mágoa de seu antigo inimigo, Bill Gates, que estava a caminho de se tornar o homem mais rico do mundo graças ao Windows, o sistema operacional que a Microsoft tinha moldado no Macintosh. Jobs chamava a Microsoft de “completamente perdida” e dizia que ela tinha um efeito sufocante à inovação. “Infelizmente, as pessoas não estão se rebelando contra a Microsoft”, ele me disse. Mais tarde, quando perguntei qual era seu objetivo de vida, ele respondeu: “No contexto mais amplo, é buscar iluminação – seja lá como você definir isso”. Enquanto o escutava, mais uma vez pensei em Orson Welles – um grande gênio que fez seu melhor trabalho aos 25 anos e acabou fazendo comerciais de vinho na TV. Quando perguntei como se sentia com a comparação, Jobs teve a sagacidade de brincar com ela. “Fico muito lisonjeado, na verdade”, afirmou.

Duas coisas ajudaram Jobs a mudar de vida. Uma foi conhecer Laurene Powell, uma garota loira de Nova Jersey que estudava para um MBA e o ouviu discursar em Stanford depois de ser demitido da Apple. Eles se casaram em 1991 em uma pequena cerimônia budista no Parque Nacional Yosemite e tiveram três filhos. Amigos notaram como Jobs amadureceu ao virar um homem de família. O outro fato foi uma pequena empresa chamada Pixar. Em 1986, a produtora de filmes fundada por George Lucas estava querendo descarregar uma sofisticada tecnologia de imagens que permitiria que usuários fizessem os próprios gráficos 3D. Jobs, fascinado com a tecnologia, comprou a empresa por meros US$ 5 milhões. Ao assumir como CEO, transformou a divisão de gráficos em um estúdio de animação, fez um acordo de distribuição com a Disney e deu a um iniciante gênio da animação chamado John Lasseter o tipo de dinheiro e de licença criativa que nunca deu a seus funcionários na Apple. O resultado, depois de anos de prejuízos, foi Toy Story. Em 1995, uma semana depois do lançamento do filme, a Pixar lançou ações na Bolsa de Valores e Jobs se viu sentado sobre ações no valor de US$ 1,1 bilhão. De repente, Steve Jobs parecia um gênio novamente.

A Apple, enquanto isso, estava lutando para sobreviver. Passei muito tempo na empresa em 1996, escrevendo uma matéria sobre o declínio e a queda dela para a Rolling Stone. E Jobs passou horas no telefone comigo, dando sua visão sobre o que tinha dado errado e por quê. Ficou claro que ele estava ofendido com o fato de que um homem tão conservador e convencional quanto o CEO Gil Amelio – veterano da indústria de semicondutores, que é totalmente diferente da de computadores pessoais – estava comandando a Apple. Para Jobs, era como um pai ver seu filho amado nas mãos de um pedófilo. Então, Jobs preparou uma volta. Como muitas de suas maiores conquistas, foi rápida e brutal. Flertou com Amelio e a diretoria o suficiente para que comprassem o software da NeXT por US$ 400 milhões e o usassem como base para o futuro sistema operacional da Apple, que acabou sendo o OS X. Em pouco tempo, Amelio foi derrotado e Jobs voltou ao comando. Trouxe uma nova diretoria, favorável a suas ideias para uma reviravolta.

Para Jobs, esta era uma aposta enorme. A Apple estava tão mal que a reviver não era algo certo de forma alguma. Primeiro, ele suspendeu a decisão desastrosa da Apple de permitir que outros computadores clonassem o sistema operacional do Macintosh. Depois, foi humildemente conversar com Bill Gates e fez um acordo para manter o software da Microsoft rodando no Mac. Finalmente, liberou um designer talentoso chamado Jonathan Ive, dando a ele carta branca para construir ótimos computadores. Seu primeiro computador totalmente novo, o iMac, era uma máquina simples, diferenciada e fácil de usar que tinha o espírito brincalhão do velho Macintosh. Foi um sucesso imediato.

Jobs viu claramente que o futuro da Apple estava em mais do que só PCs – estava na construção de hardware e software interessantes para fornecer todos os tipos de conteúdo. O iPod, lançado em 2001, foi o primeiro movimento nessa direção. Fui me encontrar com Jobs em novembro de 2003. Cruzei com ele no lobby – estava usando short e sandálias Birkenstock, parecendo muito relaxado – e pegamos o elevador até seu escritório no 4º andar. Sentado na sala de reuniões, começou a falar, principalmente sobre a entrada no ramo da música.

O iTunes, como Jobs o via, era uma maneira de impedir que dispositivos como o Napster permitissem que os usuários roubassem música – ao criar a maior loja de música do mundo, com cada música disponível instantaneamente na ponta dos dedos do usuário. No entanto, os aspectos dos negócios da Apple não eram tão interessantes quanto suas reflexões pessoais. Ele falou sobre Bob Dylan. Senti que estava se abrindo um pouco, então pressionei, perguntando se alguma vez teve dúvidas sobre tecnologia, se acreditava que estávamos levando tudo longe demais: pesquisas genéticas, clonagem etc.

Ele olhou para mim e revirou os olhos. “Sabe, prefiro só falar sobre música. Essas perguntas de panorama são – zzzzzzz”, respondeu, roncando alto. “Acho que somos mais felizes quando temos um pouco de música em nossas vidas.”

Acenou para meu gravador. “Desligue isso”, ordenou. “Podemos simplesmente conversar?”
“Claro”, disse, desligando o aparelho.
“Fico incomodado falando sobre isso.”
“Você não gosta de pensar no passado?”, perguntei.
“Não tenho nada contra o passado”, afirmou. “Só quero focar no futuro.”
A partir dali, tivemos uma conversa livre sobre as notícias do dia. Enquanto conversávamos, tive a noção de outro Steve Jobs, alguém menos seguro, menos autoconfiante. Perguntei se tinha ido a muitos shows de Bob Dylan quando era mais novo. “Nunca fui”, respondeu, com arrependimento óbvio. “Estava ocupado demais com a Apple.” De repente, entendi quão estreita sua vida tinha sido, o quanto o sucesso havia lhe custado – tão focado em uma única coisa, tão desesperado para fazer com que funcionasse. Parecia anormalmente relaxado, sem pressa de terminar a entrevista. Pensei em uma pergunta que sempre quis fazer a ele. 

“De onde vem seu toque de homem comum para a tecnologia?”
“Homem comum?”
“É, sabe – a simplicidade do design. Você entende como as pessoas usam tecnologia de forma humana. De onde isso vem?”
“Do jeito que você fala, parece que tenho estátuas do comandante Mao na frente de casa”, respondeu, rindo.
“Não, estou falando sério.”
“Não acho que seja tão profundo assim. Acho que a maioria das pessoas no mundo da tecnologia não presta atenção no design. Não sabem nada sobre design, não se importam com isso.”
Pude ver que ele estava impaciente e que meu tempo estava se esgotando.
“Você tem algum arrependimento na vida?”
“Claro”, afirmou.
“Qual?”
“Coisas pessoais. Que têm a ver com família.” Presumi que estivesse falando da filha Lisa, mas não pressionei.

Quando me despedi, olhou longamente nos meus olhos. Não sei o que isso significou, mas havia uma humanidade nele que eu não tinha visto antes. Pude ver que ele estava confuso e vulnerável. Havia feito sacrifícios, cometido erros, tinha arrependimentos. O que tinha dividido comigo não foram os pensamentos maravilhosos de um visionário, mas os de um ser humano comum. Apenas um mês antes, tinha sido diagnosticado com câncer no pâncreas.

Jobs nunca esperou viver além dos 40 anos. Tinha um interesse mais do que passageiro pelo budismo, que ensina que a morte não é necessariamente o final – que as almas podem reencarnar. Mesmo assim, para um pai de quatro filhos, o diagnóstico foi um golpe brutal. Em vez de temer a morte, Jobs a adotou como uma ferramenta para esclarecer seu pensamento. “Lembrar que logo estarei morto é a ferramenta mais importante que encontrei para me ajudar a fazer as grandes escolhas da vida”, afirmou em seu discurso em uma formatura na Universidade Stanford. “Porque quase tudo – todas as expectativas externas, todo orgulho, todo medo de embaraço ou do fracasso – simplesmente desaparece diante da morte, deixando apenas o que é realmente importante.” Como sempre, Jobs buscou o maior consolo no trabalho. Dois dos produtos mais inovadores e bem-sucedidos da Apple – o iPhone e o iPad – foram lançados depois do diagnóstico. Ambos eram empreitadas arriscadas que poderiam facilmente ter fracassado, mas Jobs manteve sua disciplina perfeccionista.

À medida que a doença piorava, Jobs via sua vida se estreitar cada vez mais. Não saía à noite, nunca aceitava prêmios, não fazia discursos nem ia a festas. Em vez disso, ficava em sua casa em Palo Alto, onde tinha a companhia da família e aprendia tudo o que podia sobre câncer – e sobre como poderia derrotá-lo. “Sabia mais sobre isso do que qualquer oncologista”, diz o amigo de longa data Larry Brilliant, que é médico. Seu corpo ficava cada vez mais magro, e ele tirou uma licença de seis meses da Apple para receber um transplante de fígado.

No final do ano passado, Jobs me ligou inesperadamente para perguntar sobre fazer outra matéria de revista juntos. Fiquei espantado com o quanto sua voz soava diferente pelo telefone. Não estava apenas mais suave e fraca. Pela primeira vez, ele me perguntou sobre meus filhos. Não tenho ideia de como ele sabia que tenho filhos, nunca falamos sobre isso. Outros notaram a mesma mudança em suas maneiras. Não parecia mais tão arrogante e tinha muito tempo e compaixão pelo sofrimento de outras pessoas. No lançamento do iPad em janeiro de 2010, Jobs realizou sua apresentação, parecendo magro e frágil, mas corajoso. O corpo estava esquálido, as maçãs do rosto chupadas. Depois da palestra, ele colocou um capuz preto e foi à área de demonstração para falar com a imprensa. Quando parei para o cumprimentar, ele me olhou com o olhar distante e sem foco de um idoso e perguntou: “O que você acha do iPad?” Não sei se me reconheceu, e ficou claro que estava com dificuldade para ter uma conversa. O pessoal de RP da Apple rapidamente o levou embora, e nunca mais falei com ele. Para Jobs, a rotina continuava. Brilliantia à sua casa frequentemente. Nos dias bons, eles caminhavam até o centro para tomar um smoothie, a única coisa que

Jobs conseguia comer. “Ríamos muito”, conta. “Às vezes, falávamos sobre Deus ou sobre a vida pós-morte. Era muito franco sobre o que estava acontecendo. Não estava em nenhum tipo de negação.”

Jobs morreu em casa, em 5 de outubro, cercado pela família. Tinha 56 anos. Sempre soube que não viveria para ser um idoso, mas chegou perto. Usou esses anos adicionais para concluir a jornada espiritual que tinha começado quando garoto no Vale do Silício. “Ele tinha dois lados”, diz Bono, que falou com Jobs pouco antes de sua morte. “Havia o guerreiro, e havia o lado muito doce e de fala mansa. Já sinto saudades.” Jobs poderá ser lembrado como o homem que trouxe o toque humano aos dispositivos digitais, mas talvez sua maior conquista foi trazer o toque humano a Steve Jobs.

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