Apesar dos nomes envolvidos, esta adaptação cinematográfica do herói mascarado do rádio não traz novidades ao espectador.
Thiago Siqueira
Michel Gondry é um mestre visual. Dois dos seus filmes mais recentes, “Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças” e “Rebobine, Por Favor” contam com maravilhosos efeitos práticos e trucagens que nos transportam a mundos mágicos sem recorrer a excessos digitais. Já Seth Rogen, trabalhando em dupla com Evan Goldberg, roteirizou divertidas comédias que, de um jeito ou de outro, dialogavam com seu público. “Superbad – É Hoje” é o maior exemplo disso.
Vê-los trabalhando em conjunto em um filme de ação é, no mínimo, curioso. E o resultado é este “O Besouro Verde”, adaptação de um antigo seriado radiofônico, mais lembrado por sua versão televisiva de 1966, que projetou Bruce Lee em Hollywood e foi referenciada por Quentin Tarantino em “Kill Bill – Volume 1”. Considerando que o personagem não possui a mais expressiva das bases de fãs, Gondry, Rogen e Goldberg tinham uma liberdade da qual a maioria dos filmes estrelados por heróis mascarados não goza, que é a de poder brincar com o mito dos vigilantes. Infelizmente, a criatividade do trio não alçou grandes voos.
Não me entendam mal, no frigir dos ovos, a fita até que não é ruim, mas está aquém do potencial dos envolvidos. No longa, Britt Reid (Rogen) é um playboy milionário que não tem grandes objetivos na vida além de ser uma versão masculina de Paris Hilton, farreando e se divertindo sem parar. Seu severo pai, James (Tom Wilkinson), é um milionário jornalista das antigas, obcecado pela verdade e dono do jornal “Sentinela Diária”. Após a morte de James, Reid conhece Kato (Jay Chou), mecânico prodígio de seu pai e especialista em artes marciais.
Os dois passam, então, a buscar um modo de deixar um legado, uma marca no mundo. Após salvarem um casal em apuros, resolvem se tornar heróis mascarados, agindo como vilões, mas derrotando os criminosos. Assumindo a alcunha de Besouro Verde e de seu parceiro sem nome, Reid e Kato são ajudados, meio sem querer, pela secretária pessoal de Britt, a bela Lenore (Cameron Diaz). Logo, os dois heróis iniciantes se vêem na mira do implacável chefão do crime Chudnofsky (Christoph Waltz).
O problema é que a história de um herói playboy com problemas paternos já foi (e está sendo) explorada por Robert Downey Jr. em “Homem de Ferro”, deixando pouco espaço para novidades aí. Nisso, o roteiro de Rogen e Goldberg resolve ir para um terreno familiar para os dois escritores, o bromance, investindo na relação entre Britt e Kato, mostrada quase como uma comédia romântica, inclusive com o mesmo arco (os dois se conhecem, ficam juntos, brigam e se reconciliam) e com o inevitável triângulo amoroso.
Por isso, o longa fica bem disperso, lidando ao mesmo tempo com as ações do Besouro Verde, com os atos criminosos de Chudnofsky, Reid tendo de assumir o jornal, a relação entre Britt, Kato e Lenore… enfim, é muita coisa a ser explorada para pouco filme, não sendo à toa a superficialidade de tudo o que vemos em tela. O que ajuda a salvar isso tudo é a química entre Seth Rogen e Jay Chou, o talento de Christoph Waltz e o dinamismo nas cenas de ação mostradas por Michel Gondry.
Ora, um dos elementos que fazem uma comédia romântica funcionar é o carisma do casal principal. Bem, como a relação de irmandade entre Britt e Kato é tratada pelo filme como uma comédia romântica, o mesmo princípio se aplica. É uma saída inteligente, mas já vimos isso de maneira muito mais interessante em “Máquina Mortífera”.
De todo modo, Rogen possui uma boa desenvoltura em cena e é um sujeito bastante carismático, combinando com o jeito “agir primeiro e pensar depois” de Britt. Seu humor, sempre brincando com a falta de conhecimento (ou ignorância mesmo) de Reid em relação a tudo, é certeiro e faz um ótimo contraponto com a seriedade que Jay Chou transmite como Kato. O ator taiwanês, aliás, acerta em uma composição mais física e seu sotaque mostra bem as origens de seu personagem, sem jamais soar caricatural.
Já Christoph Waltz vive a figura mais interessante do longa. Não é por acaso que a cena que apresenta o seu Chudnofsky (e que conta com uma ótima ponta de James Franco) é a melhor do filme. Os conflitos do mafioso que tem de encarar uma geração que preza mais o estilo que a substância são tremendamente divertidos e Waltz, com seu olhar que varia entre o sarcasmo e a insanidade, faz com que seja delicioso para o público ver cada cena do vilão. Aliás, digo que se a fita fosse sobre Chudnofsky, seria uma obra muito melhor.
Tom Wilkinson, mesmo aparecendo apenas em duas cenas, consegue se impor como uma figura de autoridade bastante temível e planta as sementes de um pouco explorado conflito paternal. Cameron Diaz como Lenore tem pouco com o que trabalhar, sendo aquela mocinha típica de filmes dos anos 1980, que nem das cenas de açãoparticipa, enquanto Edward James Olmos está quase que fazendo figuração ali, estando no elenco somente para atrair os fãs de “Battlestar Galactica”. Ah, detalhe para uma rápida ponta de Edward Furlong como dono de um laboratório de drogas.
Michel Gondry, em seu primeiro blockbuster, mesmo se mostrando bem mais contido do que em outros projetos, tem algumas chances de mostrar seu estilo. Os planos mais longos utilizados pelo diretor marcam presença em alguns momentos e seu visual quase onírico realmente casou com as cenas de ação protagonizadas por Jay Chou nos momentos em que vemos as lutas pelo ponto de vista de Kato.
Outro ponto alto são as cenas em que James Reid surge em cena, sempre fotografado como uma figura distante e imponente, mostrando bem como Britt enxergava seu pai. Destaco ainda a interessante simetria entre a sequência que mostra as ações do Besouro Verde e a que exibe os crimes de Chudnofsky, em um ótimo momento da montagem, que escorrega um pouco no segundo ato da fita, extremamente moroso, mas se recupera no terço final da projeção, bem mais ágil.
Há de se falar ainda do belo design de produção da fita, que criou ambientes bem diferenciados para o longa, sempre casando com cada uma daquelas figuras. O contraste entre as personalidades de Britt e Kato, por exemplo, se reflete na direção de arte através da opulência da mansão do primeiro (com suas respectivas quinquilharias) e a simplicidade quase espartana da casa do segundo.
De todo modo, “O Besouro Verde” escapa de ser um filme fraco não pela força do seu conjunto, mas por pontuais momentos de brilhantismo, seja de seu diretor ou do elenco. Tentando mostrar muita coisa em pouco tempo, o resultado é uma matinê superficial que não ofende o público, mas fica muito abaixo do que os envolvidos podem nos proporcionar.
___
Thiago Siqueira é crítico de cinema do CCR e participante fixo do RapaduraCast. Advogado por profissão e cinéfilo por natureza, é membro do CCR desde 2007. Formou-se em cursos de Crítica Cinematográfica e História e Estética do Cinema.