Menos de 24 horas depois de eu ter conferido o novo vídeo do Radiohead, “Lotus flower”, já era possível encontrar aqui mesmo na internet uma versão “alternativa”, com Thom Yorke fazendo a mesma coreografia com a música de Beyoncé, “Single ladies”. Pouco mais tarde, no mesmo dia, era possível assistir a outra montagem, onde o líder da banda, o único membro que aparece no clipe original, se solta ao som de “É o Tchan no Havaí” – e com resultados surpreendentes…
Eu sei, estamos na semana do Oscar – um assunto que este espaço trata com carinho (quando não com polêmica). Eu deveria estar escrevendo sobre “127 horas” – e poderia até rebater as críticas de que o filme é insuportável. Ou mesmo responder aos que acham que “O discurso do rei” é tão previsivelmente feito para agradar a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood, que não deveria nem ser levado em consideração pela própria… Mas para isso eu teria de ter assistido a esses filmes – algo que minha rotina recente infelizmente me impediu de fazer até agora. Já vi outros trabalhos que estão disputando estatuetas no domingo (“Inverno da alma”, “Minhas mães e meu pai”), que dariam até bom caldo para um post – mas como se concentrar nisso quando dos assuntos musicais simplesmente estão falando mais alto?
Há uma nova coleção de Tim Maia sendo lançada – que inclui o raríssimo “Racional 3″-, mas acho que isso exige um mergulho mais profundo antes de eu arriscar uma opinião. Há um rescaldo do Grammy a comentar. O novo vídeo de Britney – e uma resposta que eu queria dar aos que acharam “um absurdo” eu ter dedicado espaço recentemente à própria Britney, Lady Gaga e (o “mais grave de todos os pecados”!) Justin Bieber… Quero falar de minha obsessão reacesa por Karina Bhur, e de novas descobertas musicais que fiz – Apex Manor, Soft Circle, Russian Futurists. Mas nada (nada!) me parece tão urgente agora quanto escrever sobre o novo vídeo do Radiohead – com o perdão de Ronaldo, um novo fenômeno pop, como os exemplos de apropriação que dei no primeiro parágrafo demonstram.
Talvez você já tenha conferido. Trata-se de algo muito simples – ou ainda, de algo extremamente elaborado para parecer algo extremamente simples. Para descrever em uma frase, o clipe é uma colagem de longas sequências de Thom Yorke dançando (e eventualmente cantando) sobre a base de “Lotus flower”, a primeira faixa lançada de seu novo álbum, “The king of limbs” – a ser dissecado em breve por aqui.
(Pedindo licença para fazer jus ao meu “eu divago”… Ontem mesmo fui cair num site que fez uma compilação de críticas de “The king of limbs” no Twitter – e fiquei absolutamente encantado. Não tanto pelo conteúdo das opiniões expressadas – em não mais de 140 toques, é bom lembrar! -, mas pelo próprio exercício de discutir um trabalho tão elaborado quanto um álbum, seja ou não do Radiohead, em apenas alguns caracteres. Quer dizer que é para isso que caminha todo o pensamento crítico? Talvez seja mesmo: tudo que as pessoas querem é meia dúzia de palavras sobre um filme ou um disco – não vamos nem falar sobre livros, uma vez que são objetos compostos de bem mais do que meia dúzia de palavras… – para elas poderem retwittar, ou quem sabe até se expressar verbalmente “papagaiando” um twitter que receberam, com o objetvo final de mostrar que elas, hum, têm opiniões sobre esses produtos culturais? Não que as idéias selecionadas pelo tal site fossem rasas – veja essa, minha favorita, defendendo a banda de “ataques de 140 alfinetadas” com fina ironia: “Tenho certeza de que o Radiohead está deprimido por causa dessas críticas, uma vez que eles obviamente fazem álbuns para serem ouvidos às 9h20 da manhã em um laptop”, de CKlosterman… Brilhante, não é? A questão é que eu ainda prefiro abusar de alguns caracteres a mais – e frases, e parágrafos – para expressar minha apreciação sobre uma obra de arte pop. E é exatamente isso que vou fazer dentro em breve por aqui – e convido você a me acompanhar. Fim da divagação…).
Enfim, voltando ao clipe, Thom Yorke dança num cenário despojado – e gloriosamente mal iluminado – uma coreografia que quase parece espontânea. Imagino que a idéia era passar justamente essa liberdade – quem sabe uma crítica a vídeos ultra coreografados, como o próprio “Single ladies” (e não vamos nem entrar no território de Gaga…)? Mas em toda sua estranheza, a dança é “bonitinha” demais para ser “solta”… Quem já viu York no palco (lembra quando eles passaram por aqui?) tem direito de duvidar que ele seja tão, hum, articulado assim, que não tem ninguém por trás coreografando… Por outro lado, o próprio pop tem exemplos de artistas geniais que, de vez em quando, se soltam em gestuais inesperados – certas performances de Ian Curtis, do Joy Division, e a memorável apresentação de David Byrne, com os Talking Heads (em “Stop making sense”), me vêm à cabeça… A questão principal quando se vê o vídeo é: “o que está acontecendo diante dos meus olhos?”.
Ora, fãs do Radiohead já aprenderam a esperar qualquer coisa da banda – e sobretudo de York. Musicalmente, poucos artistas são tão imprevisíveis hoje quanto esses caras – e “The king of limbs” é só mais um exemplo disso. E mesmo em seus vídeos, o Radiohead faz questão de ser o menos convencional possível. Dentro desse raciocínio, “Lotus flower” é só mais uma surpresa que a banda aprontou… Mas o mais interessante é que, por mais estranho que o vídeo parece, seus efeitos são inegavelmente hipnóticos…
Com seus mais de 3,5 milhões de visitas (cerca de um terço do que recebeu “Hold it against me”, de Britney, lançado no mesmo dia – mas eu divago… e hoje acho que já esgotei minha cota!), o que “Lotus flower” parece demonstrar é que nem tudo está perdido no pop: ainda há espaço para provocação – e até uma certa pretensão artística. E, melhor: ela pode ser bem recebida!
As próprias paródias do vídeo que citei acima – além da de Beyoncé e É o Tchan!, tenho certeza de que outras virão… se já não estão disponíveis! -, mostram que ninguém fica indiferente a essa nova “obra” do Radiohead. Esquisito como ele sempre é – e acredite, eu já o vi bem de perto, em episódio que também contei por aqui, e posso confirmar que Thom Yorke é estranho -, o cantor desafia preconceitos, entrega-se à cândida bobagem de seus movimentos, e rende-se sem medo à câmera, que nunca lhe é generosa (em tempo, como as imagens são em banco e preto, os traços do rosto de York tornam-se ainda mais acentuados – cubistas, se você preferir). E você acha que ele está ligando?
Quando você vê o vídeo de “Lotus flower”, o que se revela é pura expressão artística. E eu confio em Thom Yorke – confio que por trás do que parece ser uma boa piada visual, ele traz as mais sérias intenções. E por isso, como quase tudo que vem do Radiohead, “compro a idéia” sem pensar duas vezes. Acho sim o clipe genial – e, mesmo ciente de que estamos em fevereiro, declaro que vai ser difícil algum artista me tocar mais visualmente do que ele.
E o mais divertido é que “Lotus flower” incomoda as pessoas – aquela “dancinha” incomoda muito muita gente (basta ver as reações aqui mesmo na internet!) – o que será que faz com que as pessoas reajam de maneira tão agressiva, e mesmo intolerável, quando vê um homem se soltando com seu corpo? Você sabe, falo de experiência própria – mas nem eu mesmo, que aprendi a sublimar essas críticas, consigo entender essa resposta ao que, no fundo, não passa de uma dança… E só por isso York já tem minha imensa admiração.
E a música? Bem, vou deixar para entrar nisso melhor quando discutir “por inteiro” o álbum “The king of limbs”. Mas posso adiantar que ela é: 1) dançante (o próprio Thom Yorke está lá para provar isso); 2) hipnótica (não só visualmente, mas também em sua sonoridade); 3) tipicamente Radiohead (da batida eletrônica ao falsete do vocal); e 4) tem um belo refrão (bem menos óbvio do que seus ouvidos talvez estejam acostumados).
Por falar em refrão, você tem se divertido com os que encontra aqui no final de cada post? Tomara que sim! Assim, aqui vai mais um para você – e vamos ver se na quinta escrevo sobre cinema… Menos de uma semana para o Oscar, eu sei…
O refrão nosso de cada dia
“Break you off”, The Roots – outro dia, em resposta à minha reclamação de que o novo disco de Kanye West não se dava ao trabalho de oferecer bons refrões, um internauta que escreveu indignado: “Desde quando hip-hop tem refrão?”… Bem… Dei a resposta clássica, citando de Afrika Bambaataa a Missy Elliot… Sem querer, deixei de fora essa pérola, de uma banda que é das melhores do gênero – e injustamente desconhecida do grande público: The Roots. O refrão vem logo de cara – simplérrimo, mas tão irresistível que alguém ali deveria ser processado por fazer você dançar mesmo sem vontade. Cuidado se for ouvir durante o expediente…
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