sábado, 12 de fevereiro de 2011

FESTIVAL DE BERLIM & Jafar Panahi

Ausência de Jafar Panahi , preso no Irã, acende debate sobre liberdade de expressão em festival de cinema



ANA PAULA SOUSA
ENVIADA ESPECIAL A BERLIM




O júri da 61ª Berlinale dará início a seus trabalhos hoje com uma cadeira vazia. O lugar onde deveria sentar-se Jafar Panahi, 50, permanecerá vago em sinal de protesto.

Convidado a integrar o júri, o cineasta não pôde vir a Berlim porque está na cadeia. Condenado a seis anos de prisão e proibido de filmar por 20 anos, Panahi tornou-se símbolo da arte que o presidente Mahmoud Ahmadinejad tem tentado calar.

Seus problemas com o governo remontam a junho de 2009 quando, após criticar o assassinato de jovens que protestaram contra a eleição de Ahmadinejad, foi preso, acusado de conluio.

Depois de algumas semanas, foi libertado, mas teve o passaporte apreendido.



O cineasta, que é partidário do movimento verde, opositor do regime, voltaria à cadeia em fevereiro de 2010, sob a acusação de estar fazendo um filme sem autorização do governo.

Em dezembro de 2010, veio a condenação por "propaganda contra o governo".




ARTE E CENSURA

Em Berlim, o aniversário da Revolução Islâmica, ocorrida em 11 de fevereiro de 1979, será lembrado com a exibição, em sessão nobre, de "Fora do Jogo" (2006), último longa de Panahi.

No decorrer do festival, todos os seus filmes serão projetados, sempre precedidos de um discurso.

Para dar mais força à retrospectiva, o festival sediará, na próxima semana, um debate destinado a discutir arte e censura.



"Quando um artista é proibido de se expressar, temos o dever de falar alto", diz Matthijs Knol, responsável pelo painel. Quatro iranianos farão parte do debate. São exilados, uma vez que quem lá vive tem de passar por uma via-crucis para conseguir o visto de saída do país.

"Ele foi punido de maneira rígida porque é famoso", diz o cineasta Ali Samadi Ahadi, nascido no Irã e há 25 anos residente na Alemanha. "Queremos mostrar que não vamos ficar acuados."




ATMOSFERA DE MEDO

Outros iranianos são esperados no festival. Asghar Farhadi está na competição com "Nader e Simin, uma Separação". Farhardi enfrentou problemas nas filmagens por ter manifestar apoio a Panahi.

A Folha tentou contato com dois diretores que virão a Berlim com um curta e um documentário. Mas ambos vivem à sombra, em clima de medo.

"Tentei começar um documentário no Irã há três anos", conta Ahadi. "Era impossível. Desisti."



Se isso acontece é porque Ahmadinejad prega que a arte deve servir à revolução, mas também porque o cinema tornou-se um importante instrumento de tomada de consciência social.



NEORREALISMO

Dono de uma estética próxima do neorrealismo italiano, Panahi começou a ganhar fama no Ocidente em 1995, ano em que seu primeiro longa, "O Balão Branco", saiu de Cannes com a Câmera de Ouro.

Cinco anos depois, ele ganharia o Leão de Ouro, em Veneza, com "O Círculo", uma crítica à opressão contra as mulheres.






Na carta de defesa enviada à Justiça, fez questão de lembrar que, ironicamente, o espaço dedicado a seus prêmios internacionais no museu de cinema de Teerã é maior que a cela que passou a habitar.

"Apesar dos maus-tratos que ultimamente tenho sofrido de meu próprio país, sou iraniano e quero viver e trabalhar no Irã", escreveu o diretor que, até hoje, não teve nenhum de seus cinco longas lançados no próprio país.



We begin this morning with a less festive cartoon. Nikahang Kowsar illustrates the six-year prison sentence --- and the 20-year ban on making movies, talking to media, and travelling abroad --- imposed on Jafar Panahi, the celebrated film director whose works include The White Balloon.





Na casa de Pahani tomei meu primeiro drinque persa

RAUL JUSTE LORES
EDITOR DE MERCADO

"Vamos ter churrasco brasileiro", disse Jafar Panahi ao me receber na porta do seu apartamento, em 2009.

Na verdade, era apenas mais uma variação do kebab, o (delicioso) prato onipresente em Teerã, mas Panahi real-mente tinha uma espécie de churrasqueira na sacada.

Sua família é tudo que os aiatolás querem esconder. Em vez de barbudos gritando "morte a Israel", sua bela esposa, com roupas ocidentais e sem véu, falava de política e arte, e os filhos já ensaiavam sua entrada no meio artístico (o filho já tinha dirigido um curta e me presentou com o DVD, a filha estudava interpretação).

Vários outros cineastas foram convidados para o churrasco. Os aiatolás proíbem até cerveja no Irã, mas a festa tinha bebidas alcoólicas (cena comum em Teerã, onde todo mundo tem dealers que contrabandeiam as garrafas). Só faltava caipirinha.

Panahi me ciceroneou pela decoração eclética do apartamento, com peças de artesanato, antiguidades e arte contemporânea de vários países, normalmente trazidos de festivais onde era convidado. Me disse que já tinha sido convidado a filmar em Hollywood, mas que temia fazer encomendas "étnicas". "Posso virar um cineasta ruim facilmente", temia.





Estava preparado para entrevistar Panahi, mas ele queria mesmo era receber um estrangeiro (em um país isolado há 30 anos, forasteiros são incomuns), falar de cinema, contar lembranças de suas viagens ao Brasil.

Ele me recebeu graças à gentil apresentação de Leon Cakoff, alma da Mostra de Cinema de São Paulo, brasileiro com maior milhagem cinematográfica que conheço.

O cineasta mostrou que sua vida doméstica era primado que se vê no longa "Persépolis", de Marjane Satrapi: para sobreviver, os iranianos se equilibram na vida dupla. Sua mulher e sua filha eram obrigadas a se cobrir com os véus para me levar até a rua.

Quando recusei um drinque, por não beber habitualmente, Panahi protestou. "Beba, meu amigo. Beber um golinho aqui é uma atitude política." Não pude recusar meu primeiro drinque persa.



Convite a Panahi já foi uma crítica à censura

DA ENVIADA A BERLIM

A entrevista para a apresentação dos jurados da 61ª edição do festival de Berlim, na manhã de ontem, foi marcada por uma ausência.

O nome de Jafar Panahi, mantido impresso na mesa, foi o mais repetido pela imprensa internacional que lotou a sala do hotel Hyatt.

Em vez de sete, serão seis os responsáveis pela avaliação dos 16 longas-metragens que irão competir pelo Urso de Ouro.

"Convidar Jafar Panahi, mesmo sabendo o quanto seria difícil ele vir, já foi uma maneira de a Berlinale se manifestar contra a censura", disse a atriz Isabella Rossellini, presidente do júri.



MANIFESTAÇÕES

"O caso do Irã chama a nossa atenção neste momento, mas a censura se repete, com frequência, em diferentes lugares do mundo", enfatizou outro integrante do júri, o ator e diretor indiano Aamir Khan.

As manifestações de repúdio à perseguição iraniana, a Panahi e a outros artistas menos célebres têm se repetido em todos os grandes festivais do mundo.






Em Cannes, em maio do ano passado, Abbas Kiarostami declarou que a arte em seu país estava encarcerada. O filme que apresentara então, "Cópia Fiel", apesar de não ter qualquer conotação política, foi proibido no Irã porque a atriz principal, Juliette Binoche, aparece com o pescoço nu.

(APS)







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