por Fátima Lacerda, especial para o SOS Hollywood
BERLIM - Exatamente três anos depois da estréia de Tropa de Elite no Festival de Berlim, Tropa de Elite 2 – O Inimigo Agora é Outro (José Padilha, 2010, Brasil) foi apresentado hoje em horário nobre na Berlinale: sexta-feira as 18:30, horário local. Em vez de ocupar um cinema “comum”, a première internacional da maior bilheteria do circuito nacional em 2010 ocorreu num teatro de 1.500 lugares, habitualmente dedicado a musicais – o Friedrichstadtpalast, que já gozava de grande fama e prestígio na época em que Berlim era dividida pelo muro. Outro diferencial para o filme Padilha é um bônus em exibições, uma vez que seu filme projetado 5 vezes, e não 3 como os demais participantes da Mostra Panorana.
Poucos jornalistas participaram da coletiva de imprensa marcada para o meio-dia (GMT). Em sua maioria, profissionais cobrindo o evento para veículos brasileiros. Um jornalista da Noruega e outro sul-africano – ambos muito bem informados sobre a realidade brasileira – eram os únicos representantes da imprensa internacional na entrevista.
José Padilha tem muito a dizer, mas pouco a ouvir. Wagner Moura se provou muito habilidoso nos dois quesitos. Maria Ribeiro, vestida de forma austera e clássica não tinha muito o que falar e acabou assumindo um papel menor que uma coadjuvante. A atriz se mostrou tímida, e até mesmo assustada, perante a responsabilidade de participar do Festival de Berlim. Pela segunda vez, aliás.
José Padilha, sempre mais dissertativo do que necessário e mesmo falando com jornalistas brasileiros, discursava como se encarasse um repórter gringo, a quem precisasse explicar em detalhes a realidade brasileira. Nesse discurso, difícil mesmo é saber ao certo o que é tentativa de uma resposta ou aquilo que Padilha considera como verdade absoluta e sem qualquer possibilidade de questionamento.
Sempre com o tradicional boné de lã, fala sobre os 5 empregados de sua produtora, que trabalhavam na garagem da sua casa, como um menino que conta que saiu escondido com o carro do pai, os olhos brilham de felicidade. Padilha é, sem dúvida, um dos melhores diretores brasileiros da atualidade, mas também uma prova de paciência para jornalistas: hermético e egocêntrico, adjetivos esses nada bem-vindos quando se precisa de uma entrevista.
Já o ator Wagner Moura, se mostrou solícito e atento. Ciente de sua responsabilidade inerente ao Capitão/Coronel Nascimento, ele fala que não espera que o filme mude a realidade brasileira, mas diz valer a pena, se gerar o debate sobre a sociedade em que vivemos. Wagner também fala do aspecto trágico de seu personagem e durante a entrevista não descarta em nenhum momento um possível Tropa 3.
Depois da premiação com o Urso de Ouro e já tendo voltado pro Brasil, em entrevista à rádio CBN, Wagner Moura garantiu “…deixar o capitão Nascimento quieto…” descartando uma continuação, à época. Perguntei a ele o que o fez mudar de opinião; Wagner refletiu e respondeu:
“Quando Padilha me telefonou, eu logo percebi: esse cara tem ainda algo para contar, não está aqui de brincadeira.” e acrescentou confiar totalmente no diretor. Vale lembrar que Wagner Moura é também produtor do filme.
Cidade de Deus e Tropa de Elite são divisores de águas no sentido da capacidade de espelhar a realidade sócio-política brasileira de forma que o europeu, que desconhece totalmente esse contexto, ganha real interesse em compreendê-la, ou pelo menos tentar, sem se armar tão rápido de estereótipos, como em tantos filmes no passado.
Perguntado sobre as razões desse interesse pelo público internacional, Padilha delineou vários elogios aos dois filmes e a seus realizadores, falou sobre a ampla distribuição de Tropa 2 em boa parte da Europa e dos EUA, mas passou ao largo e ficou, de novo, devendo a resposta.
Tropa de Elite já é um marco do Cinema brasileiro, não só em Berlim e não só pelo Urso de Ouro de 2008. Isso é indiscutível. O europeu vê José Padilha como um cineasta em plena harmonia com o Zeitgeist, competente e sem papas na língua.
Dentre as várias lições de vida dadas pelo diretor na coletiva, está a maneira de se ver o mundo. “Hoje em dia é uma bobagem você ficar qualificando esquerda e direita. Isso é coisa de políticos para angariar votos nas eleições”, disse Padilha, filosófico, quando perguntado sobre críticas esquerdistas ao primeiro Tropa de Elite.
E como o aspecto da atualidade não poderia faltar, Padilha também palpitou sobre a situação no Egito afirmando que no Brasil, um movimento desses seria impossível: “Vivemos numa total democracia, votamos todos os anos”.
Para arrematar a lição de política internacional, Padilha mandou um recado à presidente Dilma Roussef, sugerindo que tome cuidado com Hugo Chavez, que, assim como Mubarak, é um ditador.
No final, jornalistas perdidos, sem saber realmente o que acabara de acontecer e sem avaliação imediata, o quão aproveitável será o material colhido.
http://www.soshollywood.com.br/berlinale-04/
Nenhum comentário:
Postar um comentário