Temática "perda de memória" dá origem a thriller divertido. Nada além.
De vez em quando os roteiristas de Hollywood adoram brincar com a perda de memória, seja quando ela acontece de fato ou quando todos os outros personagens querem convencer o protagonista de que ele acaba de sofrer de tal complicação. A partir de tal plot, a imaginação dos roteiros se expande, indo de tramas de ação a comédias românticas açucaradas, passando ainda por dramas introspectivos e até ficção. A trilogia “Bourne”, “Amnésia”, “Os Esquecidos” e “Como se Fosse a Primeira Vez” são apenas alguns filmes que deixam claro como a temática é adorada, tanto que acaba de ganhar mais um exemplar. Brincando com o espectador sobre o que é real e inventado, este “Desconhecido” cumpre a função de entreter proporcionada pelo assunto. Apenas não cobre nada além disso.
O “desmemoriado” da vez é Martin Harris (Liam Neeson). Logo após chegar a Berlim em companhia da esposa Liz (January Jones), o médico americano sofre um acidente que o deixa em coma por quatro dias. Atordoado, mas ainda conhecedor de dados importantes de sua vida, ele sai do hospital e vai ao encontro de Liz, apenas para descobrir que ela não mais o reconhece, assim como existe um outro homem no seu lugar, dono do mesmo nome. Estaria ele louco ou é apenas vítima de um grande golpe? Entre perseguições, tiros e correrias em plena capital alemã, Harris vai em busca de provar sua verdadeira identidade, contando com a ajuda da imigrante ilegal Gina (Diane Kruger) e de outros investigadores.
Harris é o brinquedinho dos roteiristas Oliver Butcher e Stephen Cornwell, que utilizam apenas o seu ponto de vista para deixar as revelações apenas para o último ato. Fugindo de qualquer desconfiança sobre ser uma fita meramente psicológica, a dupla deseja construir um thriller investigativo que vai deixando pistas ao longo de seu desenvolvimento, fazendo questão de nos enganar sucessivas vezes e obtendo sucesso em boa parte delas. Butcher e Cornwell podem até dar a impressão de que não responderão a todas as perguntas abertas pela história, mas felizmente eles têm uma saída para cada ponta solta na primeira hora de duração.
O protagonista, aparentemente, parece integrar uma trama que se enquadra na segunda opção das perdas de memória cinematográficas: quando planejam contra ele, em uma conspiração minuciosamente combinada. Da própria esposa ao chefe da segurança do hotel, todos fazem parte do golpe, ou pelo menos é assim que Harris e o público inicialmente pensam. A grandiosidade do plano, porém, leva-nos a duvidar do óbvio, o que logo é recompensado com uma enorme reviravolta ainda mais pretensiosa do caminho que a trama parecia seguir. Satisfazendo o espectador comum ao não negar fundamentações para os fatos apresentados, os roteiristas, no entanto, falham quando o assunto é a natureza de seu protagonista.
O problema é que o fato exibido interfere diretamente no cerne do roteiro, naquilo que traz ou tira total credibilidade à peça artística. A inteligência do labirinto construído camufla quem Martin Harris realmente é ou havia deixado de ser. Da impossibilidade de problematizar o personagem principal ou o dilema enfrentado por ele, Butcher e Cornwell demonstram-se demasiadamente comerciais, sem qualquer preocupação em conceder uma mínima camada de profundidade para Harris. A semelhança com a história de Jason Bourne (incluindo até os flashbacks) também levam a comparações que prejudicam “Desconhecido”, exibindo territórios que poderiam ter sido explorados, mas que permaneceram intocados pelo roteiro.
As coincidências com a franquia protagonizada por Matt Damon não param por aí, mas elas agora possuem caráter positivo. Com uma boa direção de Jaume Collet-Serra (“A Orfã”), o filme traz uma sequência de perseguição de carro digna das comandadas por Paul Greengrass, com direito a inúmeras colisões e capotamentos. Collet-Serra também sabe como manter a tensão em alta, em especial na cena da matança no hospital ou naquela atuada exclusivamente por Frank Langella e Bruno Ganz. Mas por culpa da proposta do roteiro, porém, é incapaz de inserir um apropriado universo paranóico. Enfim, jamais adentramos na mente de Martin Harris.
Nem mesmo a competente atuação de Liam Neeson, em mais um thriller de ação depois de “Busca Implacável”, leva-nos a conhecer esse homem que tem o seu passado negado até pela própria esposa. Demonstrando-se mais inteligente do que aparenta inicialmente ser, mas dono de um roteiro que entende que não pode haver maior mérito do que esse, “Desconhecido” diverte sem comprometimentos em seus rápidos 110 minutos de duração.
Afinal, o que vale é o que fazemos hoje. O arrependimento sempre compensa qualquer ato anteriormente praticado. Pelo menos, essa é a mensagem absurda deixada pelo filme.
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Darlano Dídimo é crítico cinema do CCR desde 2009. Graduado em Comunicação Social com habilitação em Jornalismo pela Universidade Federal do Ceará (UFC), é adorador da arte cinematográfica desde a infância, não a substituindo por nenhum outro entretenimento, por maior que ele possa ser.
Darlano Dídimo é crítico cinema do CCR desde 2009. Graduado em Comunicação Social com habilitação em Jornalismo pela Universidade Federal do Ceará (UFC), é adorador da arte cinematográfica desde a infância, não a substituindo por nenhum outro entretenimento, por maior que ele possa ser.
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