terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Biutiful

E os exageros e pretensões de Iñarritu pemanecem.

Luta contra o câncer, bipolaridade, prostituição, homossexualidade e sensitividade. Não, não estou falando de temáticas que costumam ser abordadas nas novelas de Manoel Carlos, mas sim das que acometem o mais novo trabalho de Alejandro Gonzáles Iñárritu. Em “Biutiful”, seu primeiro filme depois do fim da parceria com Guillermo Arriaga, o diretor mexicano comprova que nem todas as culpas pelos exageros das películas anteriores devem ser creditadas ao roteirista. Com a intensidade de sempre e com mais pretensão do que nunca, ele comanda Javier Bardem em uma história que aparenta ser bem mais complexa do que realmente é.


 


Já havia sido assim nos supervalorizados “Amores Brutos” e “Babel”, nos quais várias tramas entrelaçam-se em uma “forçação de barra” sem tamanho, com destaque negativo para o segundo filme, o qual envolve inúmeros astros de Hollywood. O bom resultado de “21 Gramas” deixou claro que a simplicidade narrativa era a melhor saída para a continuação da carreira de Iñarritu depois do fim da trilogia. E era o que “Biutiful” aparentava trazer. No entanto, mesmo focando-se em um único personagem, o cineasta é capaz de rodear sua vida com os mais trágicos e/ou polêmicos acontecimentos, enfraquecendo o poder de sua inquestionável técnica por trás das câmeras.

Aqui temos Bardem interpretando Uxbal, um espanhol agraciado com um poder sensitivo, mas nem tão sortudo assim com o rumo que sua vida vem levando. Pai de dois filhos, ele tem de lidar com as irresponsabilidades da ex-mulher, preocupar-se em cobrar comissões ilegais para estrangeiros traficantes e produtores de utensílios piratas e ainda tem de encarar graves problemas de saúde. O câncer já se espalhou pelo seu corpo e ele tem apenas dois meses de vida para encontrar algum sentido em tudo isso, se é que há algum.


 


E não é apenas para Uxbal que as coisas não possuem sentido. É difícil assistir aos longos 145 minutos de duração do filme e traduzir alguma mensagem em meio a um turbilhão de fatos acometendo o protagonista. Iñarritu, em parceria com Armando Bo e Nicolás Giacobone, escreve um roteiro demasiadamente desesperado em passar sua visão fatalista, pessimista da vida. A impressão é de que os diversos fantasmas do personagem (alguns até literalmente) decidiram se unir para atormentá-lo nos seus últimos dias de sobrevivência, fazendo-o refletir e rever seus atos. Mas tudo da forma menos natural possível.


 


Aparentemente insatisfeitos com os problemas de Uxbal, os roteiristas decidem ainda incluir coadjuvantes não menos mal resolvidos, desviando o foco da história principal, como é o caso dos chineses exploradores de mão-de-obra ilegal ou da ex-mulher do protagonista, prostituta em algumas ocasiões e bipolar em outras. O erro dessas inclusões fica ainda mais claro quando a trama coloca apenas Uxbal em tela, lidando com os seus mais relevantes dilemas, como procurar alguém que cuide dos filhos e resistir às dores causadas pela doença.  É assim no ato final do longa e não há melhor momento do que esse.

Pior do que isso é a tentativa de criar um quebra-cabeça que vai sendo montado à medida que a história se desenvolve. Inúmeros pontos de interrogação rodeiam nossas cabeças nos primeiros minutos da produção, e alguns deles permanecem até a última cena. Levando demasiadamente a sério a recomendação de não dar respostas fáceis aos espectadores, os roteiristas constroem uma trama cheia de sequências soltas, como se desafiando-nos a adivinhar o que elas significam. E à medida que algumas delas são explicadas, a sensação é de que, mais uma vez, a simplicidade da linearidade seria mais efetiva.

Ao se comentar o trabalho de direção de Iñarritu, é impossível deixar de elogiar sua destreza técnica. Ele, definitivamente, é um dos mais poéticos cineastas em atividade, buscando até mesmo no inegavelmente feio alguma beleza. Em “Biutiful”, mais uma vez, a bagunça, a sujeira e a desorganização de um bairro pobre da Espanha não o impedem de torná-lo bonito aos olhos da audiência. Utilizando-se da irretocável fotografia de Rodrigo Prieto, seu parceiro habitual, o diretor realiza um trabalho que justifica, visualmente falando, o nome que recebeu, mas que é incapaz de transpor para além da tela a introspecção de seu protagonista.

Não que Javier Bardem não tente. Aliás, a performance de Bardem é digna da indicação ao Oscar que recebeu. Entretanto, estamos diante de uma peça cinematográfica que coloca suas pretensões além de seu próprio alcance, trazendo lindos momentos isolados que quando unidos não fazem tanto sentido. Diante de tanto realismo e poesia filmada por Iñarritu, falta verdade para esta história que jamais poderia ter sido indicada para o Oscar de melhor filme estrangeiro.

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Darlano Dídimo
é crítico cinema do CCR desde 2009. Graduado em Comunicação Social com habilitação em Jornalismo pela Universidade Federal do Ceará (UFC), é adorador da arte cinematográfica desde a infância, não a substituindo por nenhum outro entretenimento, por maior que ele possa ser. 

FONTE:
http://www.blogger.com/post-create.g?blogID=1138653253049652960

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