Eu tinha tempo de sobra para falar com George Michael. Era o ano de 1998, e aquela era uma das únicas entrevistas que ele daria para a imprensa televisiva, depois do “escândalo” que revelou ao mundo que ele era homossexual – aos que não sabiam ainda nem soletrar essa palavra há doze anos (e talvez até para quem não saiba soletrá-la até hoje), vale esclarecer que esse lado da vida pessoal de um dos cantores mais populares de todos os tempos veio à tona depois que ele foi preso num banheiro público em Beverly Hill (Los Angeles, Califórnia) por ter abordado sexualmente um policial à paisana.
Bastante seletivo ao se “reapresentar” para o mundo – ali diante de um novo prisma –, Michael havia escolhido apenas três países para dar entrevista, quando lançou seu “single” chamado “Outside” – uma espécie de provocação bem-humorada com o fato de ele então ter sido obrigado a ficar “do lado de fora” (“outside”) do armário sobre sua sexualidade. Uma delas foi para a TV inglesa – se não me engano, para o “South Bank Show”. Outra foi para a TV japonesa. E a terceira, para o “Fantástico” – uma escolha bastante emocional, já que ela tinha a ver com o país de origem de seu companheiro, com quem ele vivia até 1993 (quando ele então morreu de complicações relacionadas à AIDS).
Extremamente solícito e à vontade, George Michael concedeu o privilégio de conversar durante uma hora, em Londres, numa tarde gelada de outono (inglês) – num cenário luxuosamente montado num dos hotéis mais sofisticados da cidade, o Hempel. Para você poder comparar, geralmente essas entrevistas são programadas para dez minutos – ou menos: meu recorde é apenas seis minutos com Madonna… Uma hora então, é um presente – mas por mais que eu tivesse assunto com George Michael (lembrando: era a primeira vez que ele falava sobre sua sexualidade, além de ser uma retomada de sua carreira musical), chegamos a um ponto em que os temas começaram a escassear. E olha que eu estava preparado! Por isso, talvez, num exercício de criatividade, comecei a perguntar a ele sobre o futuro de sua atividade como músico – mais especificamente, até quando ele achava que seria capaz de compor boas músicas, que agradassem a um vasto público internacional como o que ele tinha conquistado.
Com cândida honestidade, Michael respondeu que achava que iria gravar apenas mais um – talvez dois discos bons e originais. “Já estou próximo dos 40 anos”, ele disse, “e não sei se ainda posso esbanjar criatividade por muito tempo”. O que parecia uma “jogada de toalha” grosseira para os fãs (inclusive aquele que o entrevistava), logo depois, quando fui rever o material, começou a soar como um depoimento dos mais lúcidos que eu já havia ouvido de um astro da música pop.
Admitir que sua carreira – ao menos a carreira criativa – tinha um limite, me pareceu extremamente sensato. George Michael já era um milionário na época – seu sucesso com o Wham! e na sua carreira solo já havia lhe rendido dividendos generosos para o resto da vida (que, devido ao sucesso perene de canções como “Careless whispers”, “Faith”, e “Freedom 90”, ainda iriam lhe render direitos autorais por um bom tempo). Suas composições recentes não vinham com o brilho (ou com o frescor) das músicas de outrora – a própria “Outside” era boa, mas nada próximo da genialidade pop que ele já havia demonstrado antes. Nesse cenário, admitir que logo chegaria o dia em que ele abandonaria tudo me pareceu mais do que um bom julgamento. Pareceu-me extremamente honesto.
De fato, depois do período desse encontro (final dos anos 90), ele só lançou mais um álbum – “Patience”, de 2004. E, ao que tudo indica, esse foi seu “canto do cisne”… (Que, diga-se, nem bem recebido foi pela crítica e pelo público).
Essa história voltou à minha memória, na última segunda-feira, com o anúncio oficial (antecipado pelo “Fantástico” domingo, devo acrescentar modestamente…) de que Ronaldo “Fenômeno” estaria se despedindo da carreira de jogador de futebol. Calma. Este espaço, claro, não trata de futebol – mas de cultura pop. A única outra vez em o craque foi mencionado aqui, justificando a “essência” deste blog, foi quando Ronaldo foi alvo de um outro “escândalo” (como no caso de George Michael, a palavra vem entre aspas porque o falso puritanismo do público – e da própria mídia – colaboraram para tornar um evento mundano em algo extraordinário… mas, eu divago…). Na época (idos de 2008), não se falava em outra coisa – e mais ou menos como agora (se bem que de uma maneira mais positiva), Ronaldo é o assunto “pop” da semana. Então, quero comentar…
Minha intenção, no entanto, não é fazer uma retrospectiva de sua carreira (muito menos de sua vida pessoal), nem analisar (como muitos já o estão fazendo) se os motivos apresentados por ele na sua entrevista coletiva de segunda-feira são ou não genuínos. O que me interessa na “despedida” de Ronaldo é o “timing” dela – que, mesmo sem poder dizer que futebol é um assunto que eu domino, acredito que chegou na hora certa.
Assim como George Michael (que, espero, não está pensando em fingir um retorno à sua carreira criativa, a não ser que seja com material de primeira!), Ronaldo soube a hora de parar. Os mais ranzinzas (como muitas vozes que já vi se manifestarem na internet) vão cutucar dizendo que o “adeus” chegou um pouquinho atrasado. Fãs idólatras já argumentam que a aposentadoria veio cedo demais… Mas o senso comum, pelo que pude avaliar esta semana, é de que o ponto final veio na hora que deveria vir. E por vários motivos.
Primeiro, porque ela ainda é adorado. Segundo, porque financeiramente, ele ainda vai ganhar muito dinheiro (pense em Pelé, que até hoje é protagonista de várias campanhas publicitárias, por conta de um carinho conquistado junto ao público). Terceiro, porque seu “rendimento criativo” (para não falar do físico) já vinha dando sinais de que estava no negativo… E quarto, porque tomando a atitude voluntariamente, antes de ser forçado de maneira constrangedora a literalmente pendurar as chuteiras, ele provou que tem uma qualidade que muitas pessoas esquecem de procurar nos atletas do gramado: inteligência.
Aplaudo Ronaldo de pé por sua decisão. E gostaria que mais pessoas notórias tivessem a sabedoria e a humildade de reconhecer que “chegou a sua hora”… No “show business”, temos bons exemplos dessa sensatez. Lembra-se de “Seinfeld”, um dos seriados mais originais e populares dos últimos tempos? Não foram poucos os que condenaram a decisão de suspendê-lo, quando ainda estava no auge da popularidade – mas duvido que essas pessoas hoje, mais de dez anos depois da “trágica despedida”, não concordem que foi melhor para todo mundo. O mesmo vale para “Lost” – com a possível ressalva de uma ou duas temporadas que ficaram sobrando…
Na música pop, recebemos boquiabertos, há apenas algumas semanas, a notícia de que o White Stripes não existia mais como uma banda. Lamentável, quando lembramos do brilhantismo dos seis álbuns que eles deixaram – mas bastante razoável quando comparamos os dois últimos trabalhos aos quatro primeiros… Lauryn Hill percebeu logo que seu fôlego musical não iria muito além de sua obra-prima “The miseducation of Lauryn Hill” – e nem tentou voos muito mais altos do que algumas gravações ao vivo. Aqui mesmo, no nosso sempre errante pop, os (merecidamente) venerados (Los) Hermanos tiveram a nobreza de entrar num indefinito hiato quando acharam que não poderiam contribuir com algo honestamente original e interessante para seus fãs – bravo! Quem dera esse exemplo fosse seguido por certas bandas e artistas que já não nos oferecem nada inspirador há anos (em alguns casos, décadas!), mas que insistem em, até hoje, impor sua xepa criativa para fãs que reagem a esse material com a inércia de quem escuta uma canção da infância cuja letra não consegue se lembrar…
Você conhece algum caso assim? Não quer dividir comigo? Considerando que todo mundo um dia se aposenta, quem você acha que já deveria ter decidido encerrar a carreira para preservar seu trabalho? Não quer mandar sua sugestão? Vale para qualquer área… Você pode achar, por exemplo, que Woody Allen é um artista que deveria ter parado de fazer filmes depois de “Manhattan” (uma ideia da qual eu não poderia discordar mais, como já deixei claro neste espaço mais de uma vez)… Ou um outro diretor importante – Scorcese? Tarantino? Copolla (tipo… Sofia)?
Na televisão – algum seriado que perdeu a graça e se arrasta sem brilho para agradar um fã clube cada vez mais minguante? Ou algum outro formato que já deu o que tinha que dar? (Antes de escrever sobre apresentadores de programas jornalísticos dominicais que deveriam se aposentar, porém, manifeste sua “piada” em voz alta em frente a um espelho e veja se ela é mesmo engraçada – e não vamos nem falar de originalidade… E, sim, eu estou sendo irônico!). Quero ouvir sua opinião!
Mas sobretudo quero que você fale de música: quem – especialmente quem que já nos deu muito prazer e agora insiste em torturar um dos nossos sentidos mais belos, o da audição, com um repertório que fica léguas aquém daquilo que um dia já apresentou? Quem sabe se você apresentar um argumento bem convincente ele (ou ela ou eles ou elas) não se convence(m)?
O refrão nosso de cada dia
“Spring in Fialta”, Slow Children – em 1981 (um ano antes de existir uma banda que estouraria no Brasil com o sucesso “Você não soube me amar”), eu comprei um estranho disco de vinil chamado “Blitz”. Tratava-se de uma estranha compilação de bandas “new wave” – já em si, um estranho movimento musical que assolava o início da década (e conquistava meu coração). Em meio a toda essa estranheza (“Chihuahua”, do Bow Wow Wow, era a faixa de abertura do disco), essa música, que roubava seu nome de um conto de Nabokov, me deixou hipnotizado: um ritmo frenético, com um refrão suplicante. Cheguei a comprar o LP de estreia deles (que tem uma canção com o inesperado título “Brazilian magazines”!), mas nada ali confirmava o potencial de “Sping in Fialta” – e o Slow Children mal chegou ao segundo disco, Uma triste história…
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