Em setembro de 1995, a questão mais palpitante do mundo para quem gostava de música pop era qual banda iria chegar ao número um da parada inglesa, Oasis ou Blur. Lembra? Oasis? Blur? A banda dos irmãos Gallagher era, por uma pequena margem (e grande torcida), a favorita, com “Roll with it”. Damon Albarn, o maior gênio pop depois de… – bem, o maior gênio pop de todos os tempos –, concorria (junto com o Blur) com “Country house”. Por meras 50 mil cópias, o Blur ganhou essa competição – mas não é por conta disso que eu trouxe essa discussão. Ao lembrar dessa “disputa apaixonada” – oriunda de uma época em que provavelmente boa parte das pessoas que vão escrever me criticando pelo post de hoje sequer eram independentes para escolher a música que queriam ouvir –, não quero reacender uma velha discussão na linha “quem é melhor, Blur ou Oasis?”, mas simplesmente perguntar: hoje, você seria capaz de assobiar uma das duas músicas?
Poucas coisas são tão efêmeras no cultura pop quanto um sucesso no topo da parada. Naquele setembro de 1995, “Roll with it” ficou em segundo lugar entre os “singles” mais vendidos na Inglaterra. Mas será que essa música era mesmo inferior a “Country house”? Seria a faixa do Blur tão superior assim, a ponto de liderar a preferência popular. Ou ainda: será que essa discussão era tão importante assim?
A pergunta me parece bastante oportuna pelo frisson que três das maiores estrelas do pop atual causaram este fim-de-semana ao “lançarem” novas canções. O verbo “lançar” está entre aspas, por razões óbvias: um lançamento oficial de uma música pop hoje em dia é algo bastante relativo: com tantos “leaks” (ou vazamentos) que rolam hoje em dia na internet, é quase impossível manter mistério – ou mesmo uma exclusividade – sobre essas “estréias”. O que não impede os artistas de insistirem em criar um clima em cima desses (hoje) pseudo- eventos – como, aliás, Lady Gaga fez com sua “Born this way”, na última sexta-feira.
Gaga, claro, é apenas um vértice desse triângulo de estrelas que vem enlouquecendo o tráfego do twitter desde meados da semana passada – os outros, como você já adivinhou (aliás, está escrito no título lá em cima!), são Britney Spears e Justin Bieber – respectivamente com “Hold it against me” e “Dr. Bieber”. A histeria tem sido tanta que chego a duvidar que se, por exemplo, o ditador egípcio Hosni Mubarak tivesse renunciado à presidência do Egito, ou Ronaldo “Fenômeno” tivesse anunciado o fim de sua carreira como jogador, eu duvido que veríamos a mesma repercussão!
O quê? Mubarak renunciou? Ronaldo se aposentou? Mesmo? Calma! Estou brincando com fatos que de fato aconteceram, mas você me entendeu. Não estou fazendo aquela demagogia barata que de vez em quando aparece num comentário por aqui (e alhures!) na linha: “com tanta coisa acontecendo no mundo, vocês ficam falando de música pop?”… Só quis dar uma idéia da proporção das coisas: a tríade que atualmente impera no universo musical provocou um furacão de proporções razoáveis na internet nos últimos dias (e deve continuar provocando) deixando para trás eventos chacoalhantes da nossa vida cotidiana. Mas quem disse que as novidades desses artistas também não são “importantes” para o nosso dia-a-dia? Por isso, vamos a eles. Mas, antes de dar minha opinião sobre cada uma dessas faixas, porém, convido você a refletir um pouco sobre a importância do que está acontecendo para os “anais do pop”.
E, para isso, aqui vai uma informação, que resgatei lá dos meus tempos de MTV: sabia que a faixa que a gravadora (e mesmo os artistas) escolhem para a ser a primeira a ser lançada de um novo álbum (cuja expectativa está nas alturas) nunca é a melhor do disco? Faz sentido: se você tem uma legião de fãs ansiosos para ouviu “qualquer coisa” de uma mega banda – ou um super artista –, o natural é que você lance… qualquer coisa! As pessoas – ou melhor, os fãs – vão consumir o que quer que venha de seus ídolos. Depois desse momento inicial, aí começam a vir as músicas realmente boas, fundamentais para garantir aos fãs que eles não estavam errados: aquele é mesmo o artista que eles tanto esperavam ouvir com novo material!
Só para ilustrar, pense em “Achtung baby”, o disco de 1991 do U2. Lembra-se qual foi o primeiro “single”? “The fly” – uma faixa que, embora genial, estava longe se ser uma música fácil. Nem precisa me lembrar que ela foi “número 1” na Inglaterra (e na Austrália!) – ah, e “número 61” nos Estados Unidos… Os fãs ajudaram a fazer de “The fly” um sucesso, mas você há de convir que ela é um pouco “esquisita” – especialmente esquisita se você lembrar que ela anunciava mais uma nova fase da banda. Mas logo em seguida, como segundo “single”, veio “Mysterious ways” – e aí tudo começou a fazer sentido: sou capaz de apostar dinheiro que você não se esqueceu até hoje aqueles dois acordes que abrem a canção, mas é não consegue nem cantarolar a introdução de “The fly”… Assim, para chamar atenção para três dos mais esperados álbuns de 2011 – justamente os de Lady Gaga, Britney Spears e Justin Bieber –, seria natural que os três artistas viessem apenas com “aperitivos” do que eles são realmente capazes de mostrar.
Fãs desses três artistas, antes de sair twittando que eu estou falando mal de seus respectivos ídolos (e meus também, enquanto devoto de cultura pop), tentem pelo menos ler um parágrafo até o fim – ou melhor, eu vou facilitar: tentem ler pelo menos uma frase até o fim, justamente a seguinte. “Hold it against me”, “Born this way”, e “”Dr. Bieber” são faixas poderosas, com Spears, Gaga, e Bieber (respectivamente) esbanjando o que cada um sabe fazer de melhor. Eu mesmo tenho elogios a fazer a cada uma dessas músicas (já já!). Mas quando chamei essas canções de “aperitivo”, é na crença absoluta de que vem coisa melhor por aí! E olha que o que já ouvimos até agora já é muito bom.
Como diria a escritora americana Fran Lebowitz – uma das pessoas cujo talento para escrever (e escrever com humor eu mais invejo no mundo – quem sabe quando eu crescer vou ser igual a ela!) -, só existem dois tipos de música: “Música boa e música ruim. Música boa é música que eu tenho vontade de ouvir. Música ruim é música que eu não tenho vontade de ouvir”. E a boa notícia é que Bieber, Britney e Gaga vieram com músicas que eu tenho muito vontade de ouvir. Vamos começar por “Born this way” – já que a apresentação de Lady Gaga ontem na cerimônia do Grammy ainda está fresca na minha mente.
Por falar nela, foi só eu que reparei que a versão que ela cantou nessa festa era ligeiramente diferente dessa que está disponível desde sexta-feira no sire da cantora? Eu diria que era até ligeiramente melhor? Se a performance de Gaga – e seus surpreendentemente despojados bailarinos (também, com corpos como aqueles, quem precisa de figurino?) – pareceu discreta, especialmente quando a gente compara com outras aparições recentes, “Born this way” me conquistou – novamente. Não é difícil admitir que seu refrão não é dos mais acessíveis que Lady Gaga já gravou. Tampouco é complicado perceber porque um turbilhão de comentário (e “mash-ups”) na internet batem na tecla de que a música é fortemente inspirada em “Express yourself” – um clássico de Madonna. Mas mesmo com todos esses, hum, obstáculos, “Born this way” é “pura” Lady Gaga (Ou “pura Whitney Houston? Quem diria que ela iria agradecer à diva pela inspiração ao receber um prêmio ontem no Grammy? Mas eu divago…).
Primeiro porque o “primeiro mandamento de Gaga” foi respeitado – aquela que é a missão primordial da cantora na Terra: “Let’s dance”! “Born this way” foi feita para isso! Depois, como resistir à voz da cantora – que, se já era incrível, está cada vez mais potentes. E por último, tem a elegante mensagem anti-homofóbica da letra da música, com Lady Gaga respondendo ao mesmo tempo aos fãs no extremo da diversidade e aos críticos mais reacionários. O que não há para gostar nessa combinação?
Passemos então para Justin Bieber – que também fez uma aparição no mínimo curiosa no Grammy de ontem. (Estou aqui tentando não comentar sobre a cerimônia, o que desviaria demais do que quero falar hoje – mesmo para meus parâmetros de divagação… Ainda assim, diga lá: você também achou a reunião de Bruno Mars, B.o.B., e Janelle Monae, uma das melhores coisas da noite, musicalmente falando? Cindy Lauper, que logo chega aqui no Brasil, aplaudiu de pé… Bom, retomando…). Antes de mais nada, que achado aquele vídeo antigo dele com Usher! Foi a escada perfeita para a apresentação que viria a seguir. Para “apresentar” a nova canção “Never say never” (mais um trampolim para a trilha sonora do filme com o ídolo que está prestes a estrear) vimos primeiro sua parceria com Jaden Smith – que pareceu agradar mais papai e mamãe Smith, sentados na platéia, do que aos fãs do próprio Bieber… Bem, mas aí veio Usher, fez seu número solo direitinho, e então fomos brindados com os dois artistas (Usher e Bieber) dançando uma coreografia muito bem ensaiada e vibrante! Calou a boca de quem achava que essa combinação seria um desastre…
Mas e “Never say never”, a canção? Boa, sim – mas, sobretudo você que é fã, não era de se esperar um pouco mais? Insisto: essa música tem mais a ver com o filme do que com o novo álbum de Bieber – e por isso, prefiro me concentrar em “Dr. Bieber”. Ainda que uma apreciação correta dessa faixa seja difícil, uma vez que “oficialmente” só conhecemos trechos da música (e nada do que eu ouvi até agora me pareceu uma sólida “versão final”). Não obstante, o que se anuncia é uma poderosa “bomba” pop – tudo em seu lugar certo: uma batida hipnótica, um verso idem (que, não por acaso, traz o nome do próprio Bieber), um óbvio apelo dançante, uma produção moderna, e ainda um toque de ousadia… será que ele emplaca como “rapper”? Antes de pensar numa resposta, atenção: se você está realmente preocupado ou preocupada com isso é porque, como diz a própria música, você já está infectado com a “febre Bieber”. Desista de procurar a cura…
Falta então falar de “Hold it against me” – da artista estranhamente ausente nessa cerimônia do Grammy: Britney Spears. Em uma frase: um grande refrão à procura de uma boa música. Sério! Eu adorei o coro de “Hold it against me”. Grudou na minha memória desde a primeira vez que o ouvi. Mas, como quase todas as construções pop hoje em dia, ela parece ter sido composta por blocos, trecho por trecho. E, embora a música toda seja consistente – e duvido que alguém consiga resistir a ela numa pista de dança – eu (como, imagino, muitos fãs), vou ficar contando as batidas entre um refrão e outro toda vez que a escutar… Na verdade, a principal frase musical é tão boa (repita comigo: “you feel like paradise, and I need a vacation tonigh, so if I say I want your body now, would you hold it against me?”) que talvez esse “resto” da faixa nem seja tão importante assim. Já consigo até imaginar o clipe – que está para estrear… “Hold it against me” tem tudo para Britney brilhar. De novo. E de novo. E de novo…
Aí estão, então, os três grandes competidores para o que parece ser a grande disputa pop deste século. O veredicto, claro, sempre que a gente fala de música pop, está nas mãos do público – e que vença o melhor! Mas, pensando na outra “luta do século” (isto é, do século 20) que mencionei no início do texto de hoje. Será que vamos estar cantando uma dessas três músicas em 2025?
O refrão nosso de cada dia
“Throwaway”, Mighty Mighty - olhando as duas primeiras indicações deste novo espaço (para entender e aproveitar, clique aqui), acho que passei a impressão errada: a de que um bom refrão tem que vir de países inesperados, como Tailândia ou Colômbia. Pois aqui está uma bom exemplo do melhor pop inglês. Não é muito recente, é verdade – o Mighty Mighty apareceu com a música “Law” numa influente compilação em fita cassete feita pelo semanário musical inglês “NME” em 1986 (o antológico “C86″), ao lado de bandas como Soup Dragons, Primal Scream e The Pastels. Não tiveram uma carreira muito brilhante, mas deixaram, em “Throwaway” um dos refrões mais memoráveis da história do pop/rock – “jogado fora… como um chiclete quando o sabor vai embora…”.
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