Entendendo um pouco sobre o universo das referências.
Sempre que escuto alguém falando de plágio, tento entender o seu ponto de vista. Na internet, se você pega um trecho de uma matéria e cola em seu texto, sem dar os créditos, é plágio. Se você faz uma maquiagem diferente no texto, deixa de ser plágio. O problema é que sempre escutei, por exemplo, que Quentin Tarantino era um dos diretores mais originais e criativos de Hollywood. Até certo ponto, concordo absolutamente. Afinal, adoro os seus filmes.
Mas e em relação as homenagens que ele faz? Seriam realmente homenagens? Já ouvi alguém dizendo que a homenagem existe quando ela é anunciada, exposta e falada aos quatro ventos. Quando é uma homenagem escondida, quem não conhece o original, vai creditar as cenas “geniais” a quem fez a homenagem. Correto? Pois é. Olha só um exemplo feito em Kill Bill. Não fique chateado ao perceber que, na verdade, você adorou certa cena, sendo que ela não criada por seu diretor favorito:
Quando fizemos um RapaduraCast sobre a carreira de Tarantino, uma ouvinte mandou um e-mail comentando a tal originalidade do cineasta. Ela não só criticou a nossa versão do diretor, como expôs os motivos por não ter gostado do nosso programa sobre o cineasta. Ela foi tão veemente que desde 2008 não consegui esquecer a sua mensagem. Segue na íntegra:
“1 de Novembro de 2008
Paula Schekn,
Paula Schekn,
Olá seres rapadurianos! Sou fã do podcast e do site, de vocês como pessoas, e tudo mais. Defendi a lista da edição passada [sobre os 100 maiores nomes do cinema] entre amigas, pois entendi o espírito de vocês. Apresento o site para muitas pessoas. Mas hoje terei que ser sincera, vocês quase partiram meu coração. O podcast sobre o Quentin Tarantino foi o pior que já ouvi. Não por ele em si, mas pelos erros, chutes no saco, babações desnecessárias, e tudo mais. Explico.
Quentin Tarantino faz filmes divertidos. Fatos! Mas ele só foi “original” em ‘Pulp Fiction’ (pela parte técnica do filme, não pelas idéias). ‘Cães de Aluguel’ é cópia descarada de um filme chinês de 1987 chamado ‘City On Fire’. Não é birra, é cópia MESMO. Este filme chinês tem até diálogos roubados. O famoso diálogo sobre a música da Madonna está no filme chinês completinho, tanto que um grupo que premia as melhores frases do cinema tirou o prêmio do Tarantino por ele, depois que isso veio a tona. As cenas são iguais. As resoluções são as mesmas. Se tem algo de diferente nos filmes só foi os personagens mudarem de nome para Mr. Algumacor. Esta farsa já foi até tese de mestrado, que seria publicado em um livro nos EUA, mas a Miramax pagou o cara para o livro não sair.
Vamos a ‘Jackie Brown’. Este pelo menos todo mundo sabe que é tirado de um livro. Mas agora quem me chateou foram vocês mesmos. Não falaram que o filme é cópia de diversos filmes blaxploitation por exemplo, e é aí que está o lado Tarantino no filme. Sim, ele rouba diversas cenas de filmes do gênero sem tirar nem por. Aquela cena na loja de roupas foi tirada de um outro filme por exemplo. Eu já li o livro original, e só a história em si é do livro. O resto foi tudo cópias de outros filmes. E falam da Pam Grier, que faz a personagem título, como se ela fosse nada. Ela é a Foxy Brown!!! Ela é adorada nos EUA. Ela é a musa da Blaxploitation. Fez diversos filmes, tipo Coffy, ou Blacula II. Sem contar outros diversos atores do gênero que povoam o filme inteiro.
Estou vendo que já estou indo além de um e-mail normal, no tamanho. Bem, o motivo pelo qual me chateou, nem foi por idolatrar o Tarantino. Isso já estou acostumada, todo mundo faz hoje em dia. Mas me decepcionou vocês fazendo, e pelos motivos errados. Como eu disse, ele faz filmes divertidos sim. Se ele tem um mérito é saber pegar coisas de tudo que é lugar, e combinar. Mas original ele não é. Se 5% dos filmes dele foram idéias dele mesmo, é muito. Vocês falando sobre grindhouses quase me deu um ataque cardíaco. Vocês já viram algo do gênero? Já viram blaxploitations? Já viram filmes slashers de baixo orçamento dos anos 70? Já viram acid movies dos anos 60? E road movies dos anos 70 e 80? O pior é que as vezes ele até ajuda a pessoa a correr, por exemplo citando ‘Corrida Contra o Destino’ em ‘A Prova da Morte’ como um dos maiores filmes norte-americanos. Ou o ‘The Mack’ sendo citado em ‘True Romance’ como um filme obrigatório para cinéfilos. Já viram algo do Russ Meyer, que é onde ele pega todo o visual, e até a história do final de ‘A Prova da Morte’. Sabe aquela cena das garotas espancando o vilão no final do filme, é a mesma coreografia de cena de ‘Supervixens’. Esperava muito mais do podcast. Ouvi de coração aberto, esperando que vocês não caíssem no lugar comum que todos os sites de cinema caem. Falar dele como sendo original, sem entender da onde vem tudo o que ele rouba descaradamente. O Tarantino numa entrevista para a Playboy disse que se ele fosse um fã ainda, e alguém fizesse o que ele faz com os filmes, ele não iria gostar do cara, pois já teria visto tudo antes em outros filmes. Por isso que não chamo ele de hipócrita, ele brinca com a ingenuidade de quem trata ele como Deus mesmo.
Recomendo iniciar procurando um site chamado ‘The Quentin Tarantino Files’. Eles estão aos poucos completando um guia que mostra todos os filmes que ele pegou algo, e comparando se está parecido, se foi só homenagem, se foi cópia descarada, e afins. Um pesquisador de filmes antigos nos EUA, pupilo do mestre Danny Peary, disse que por baixo ele consegue apontar nos dois Kill Bill uma média de 200 filmes, sendo que pelo menos 1/4 destes filmes houve não citação, mas algo que poderia ser encarado como plágio mesmo, por exemplo a cena de luta de espadas ao som de Don’t Let Me Be Misunderstood, ou a parte do escalpo que é idêntica ao filme Lady Snowblood. Como eu disse, o site ali é de um grupo de fãs de Tarantino, que estão fazendo isso pois reconhecem que o cara não é genial por criar algo, mas que faz filmes que são uma colagem de outros filmes, e faz isso ficar legal.
Vejo até cinéfilos, como vocês, que reconheço que manjam muito de cinema, puxando o saco dele. Sério, fiquei com vergonha de ouvir o podcast, foi erro atrás de erro, omissão atrás de omissão. O caso é que a sorte dele, é que seu gosto é peculiar. Ou seja, ele viu milhares de filmes, que quase ninguém viu, e daí dá para copiar, e o pessoal cai como um patinho. Eu sou doida por cinema obscuro, pois meus primos moraram na Europa a trabalho, e quando voltaram para cá nos anos 90, começaram a me bombardear com filmes que eles conseguiram copiar num cineclube ilegal que tinha na cidade deles. Conheci pouca coisa boa daí, mas me abriu um desejo por cinema deste estilo. Filmes de ação B dos anos 70, filmes trash, blaxploitation, filmes de perseguição, kung fu, e por aí vai. Estou pensando em tentar levar um projeto que tenho para alguma editora, e lançar um dicionário em Português sobre este tipo de cinema, para mais pessoas terem contato. Quem sabe assim ao rever Kill Bill, por exemplo, as pessoas saibam que a arrancada de olho foi copiada nos mesmos ângulos usados em um filme chamado “Thriller – en grym film”, de 74. Este é só mais um exemplo.
Por sinal, se quiserem já ir buscando mais sobre coisas assim, recomendo que corram atrás de um filme chamado “Quel maledetto treno blindato”, que nos EUA ganhou o título de Inglorious Bastards. Assim vocês não serão pegos tão de surpresa ao se depararem com a nova farsa (de uma forma positiva) do Tarantino. Vocês já vão poder até saber o que o Mike Myers vai estar fazendo no filme de 2009. Acreditem, muitas vezes (eu diria até quase todas, mas sou suspeita), os filmes originais são bem melhores que os filmes do Tarantino, justamente por lá estarem em sua raiz, justificados. As cenas foram feitas para lá, não foram coladas em outro filme (por mais que fique ótima esta colagem).
Beijos rapaziada do melhor site de cinema do Brasil!”
FONTE:
http://cinemacomrapadura.com.br/colunas/acme/190150/acme-o-que-quentin-tarantino-faz-e-homenagem-ou-plagio
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