domingo, 27 de fevereiro de 2011

[Análise] 127 Horas




por Fábio M. Barreto, de Los Angeles



O poder da atuação, a obrigatoriedade da versatilidade e a maestria na edição são elementos obrigatórios em filmes one man show, ou seja, aqueles nos quais apenas um ator é responsável pela maior parte da trama. Quando tudo se encaixa, o resultado é memorável como, por exemplo, em Eu Sou a Lenda (2007), com Will Smith, Náufrago (2000), com Tom Hanks, e Lunar (2009), com Sam Rockwell, os melhores destaques desse estilo da última década. Entretanto James Franco entra para esse limitado grupo com louvores em 127 Horas (2010), dirigido por Danny Boyle e realizado pelo mesmo time de Quem Quer Ser um Milionário?, vencedor do Oscar em 2009. Inevitavelmente, filmes desse tipo focam um tema específico e poderoso: quais os limites e até onde vai a força de vontade de cada um desses personagens? As respostas no drama de Boyle são as mais incômodas e cruas dos quatro filmes citados. Assisti-lo dói e não há nada literal nesse sentimento.



Há um interessante conceito psicológico em torno das máscaras usadas pelos indivíduos de acordo com o lugar, pessoas presentes ou objetivos. Baseado nesse pressuposto, existe a certeza de que, na maioria do tempo, estamos atuando ou respondendo a estímulos externos para moldar nossas relações. O seriado House faz muito uso disso, ao fazer com que seu protagonista evite esse cenário e tire o balanço daqueles à sua volta reagindo de forma socialmente inesperada, mas, mesmo assim, ele reage e atua – independente de forma ou intensidade. Enquanto boa parte da produção cinematográfica moderna aposta na conectividade e nos efeitos da tecnologia na sociedade, em 127 Horas, Boyle optou por uma saída interessante ao abordar essa solidão forçada sem exterminar a humanidade como em Eu Sou A Lenda ou o acidente aéreo de Náufrago ao adaptar as memórias de Aron Ralston, um montanhista cujo destino foi modificado por um passo em falso.



Isolado, incapaz de se libertar, sem contato com o mundo exterior e com pouquíssimos recursos, Franco enfrenta seus próprios demônios em meio a delírios e na série de vídeos que Ralston gravou para sua família, mesmo sem saber se a câmera seria, ou não, encontrada depois de sua provável morte. Bem, provável, não inevitável, pois havia uma saída. A pior de todas. Danny Boyle leva o espectador nessa evolução desesperada de um sujeito certo de si – tão certo que não avisa para ninguém qual era seu destino naquela caminhada – e centrado em seus desejos abruptamente privado de tudo, especialmente de esperança. Boyle precisou ser íntimo com as dores do personagem, tanto no roteiro de Simon Beaufoy (Quem Quer Ser Um Milionário?), quanto no visual. As câmeras só podiam ver aquilo que Ralston via para garantir a tensão do confinamento, entretanto o diretor ousou em ângulos improváveis e inusitados – como dentro de um tubo com urina – e não permite a diferenciação entre as cenas filmadas nos desfiladeiros de Utah e a réplica perfeita onde parte das filmagens foi feita. “Quem descobrir onde a mudança de cenário acontece ganha um prêmio!”, desafia o produtor Christian Colson, em entrevista a este repórter. De origem argentina, mas radicado na Inglaterra, Colson se orgulha de conseguir financiar seus projetos sem depender de Hollywood. “Pode-se fazer maravilhas sem correr atrás dos estúdios de Los Angeles, especialmente em filmes de médio orçamento tão efetivos quanto as produções nascidas para ser blockbusters”, diz.



Esse é o jeito Danny Boyle de fazer filmes. O inglês que diz sonhar com uma visita à Mostra Internacional de Cinema de São Paulo define muito bem seu estilo em entrevista exclusiva ao SOS Hollywood: “Faço filmes médios que parecem grandes. Simples assim”. 127 Horas, assim como seus projetos anteriores – Sunshine e Quem Quer Ser Um Milionário? –, custou cerca de US$ 18 milhões, uma ninharia para os padrões hollywoodianos. “Não gosto das grandes reuniões, das obrigações dos estúdios e das imposições de fluxo de trabalho e as cadeias de decisão. Gosto de fazer filmes, não de discutir a realização dos filmes além da conta. Tudo precisa ter limite”, comenta Boyle, cuja entrevista completa será publicada na Sci-Fi News de março!



Em dúvida sobre a afinidade de James Franco para o papel, cujo primeiro encontro com o diretor foi esquisito – Franco estava cansado de uma viagem e apareceu na primeira reunião fora de sintonia e desatento – Boyle aceitou ver o ator novamente e se convenceu. Era a maior decisão de 127 Horas, pois, além de atuar sozinho na maior parte do tempo, ele ainda ficaria com um braço imobilizado e com a área de trabalho limitada. “Ele me ganhou com um ‘oops’”, conta Boyle, referindo-se à cena na qual Ralston grava uma mensagem em sua camcorder e percebe mais um dos agravantes de sua situação. Variando entre a euforia e a beleza do começo do filme, no qual a água é abundante e o mundo está a seus pés, e a luta pela sobrevivência no restante do longa (filmado com câmeras digitais Cannon 5D e 7D), Franco teve sua nova chance ao Sol, literalmente. Dessa vez agarrou com toda a força e deu o maior passo em sua carreira. É fácil sentir sua dor, seu desespero, assim como faz sentido rir com suas piadas e se relacionar com suas emoções. Praticamente um paralelo com sua carreira, sempre presente, mas sem decolar. Momento certo, no lugar certo para Franco. Momento errado, na hora errada para Ralston, que precisa se mutilar para sobreviver.



A cena chave de 127 Horas é uma das mais brutais da história do cinema. Talvez a escolha mais brilhante de Danny Boyle no filme foi utilizar uma dança de zooms, cortes rápidos e recursos sonoros perturbadores para ilustrar a dor e a intensidade sensorial do personagem. É difícil manter os olhos na tela e, mesmo que o espectador escolha não olhar, o som está lá dando continuidade à sensação. Não há escapatória, só uma decisão possível, tanto para personagem quanto para o público. Uma verdadeira experiência cinematográfica.


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