segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

The Fighter – O Vencedor




Mais um filme sobre boxe e a trajetória de um homem até a glória, escada acima? Não exatamente. The Fighter fala de boxe, de determinação, dos bastidores do esporte e da indústria que movimenta muito dinheiro a cada ano, mas não trata apenas disso. Baseado em uma história real, este filme trata de família, dos alicerces que nos fazem sermos quem somos, de glória, derrocada, fundo do poço, drogas, novas formas de inspiração, talento e redenção. A história não guarda muitas surpresas ou inovações. Na verdade, é bastante previsível. Mas a direção de David O. Russell e, principalmente, o elenco escalado para esta produção, seguram o interesse até o final.



A HISTÓRIA: Começa na cidade de Lowell, Massachusetts, em 1993. Dickie Eklund (Christian Bale) pergunta para as pessoas que estão lhe filmando se elas vão esperar pelo irmão dele, Micky Ward (Mark Wahlberg). Dickie está agitado, mas começa a contar a sua história. Comenta que começou com o boxe quando tinha 12 anos, e que mentiu sobre sua idade na época. Micky se aproxima. O irmão afirma que tudo que Micky aprendeu foi com ele, ainda que eles tenham estilos muito diferentes de lutar. Aparecem cenas da infância dos garotos e, quando Dickie cita Sugar Ray Leonard, são inseridas imagens da luta dele contra a lenda do boxe, em 1978. Ele começa a elogiar o irmão, a sua “mão esquerda”, mas parece um pouco alterado ou estranho demais. Ele comenta que leva o título de “orgulho de Lowell”. Corta. A câmera mostra Micky nivelando uma rua enquanto Dickie se exibe para as câmeras com golpes. A história segue, mostrando a relação entre os irmãos, seus familiares e a busca de Micky para sair da sombra de Dickie.



VOLTANDO À CRÍTICA (SPOILER – aviso aos navegantes que boa parte do texto à seguir conta momentos importantes do filme, por isso sugiro que só continue a ler quem já assistiu a The Fighter): Christian Bale hipnotiza o espectador. Sua interpretação “alucinada” não é exatamente nova. Lembra muito o que ele havia apresentado, anteriormente, em filmes como The Machinist ou Rescue Dawn. Ainda assim, é impossível ignorá-lo. E, pelo Globo de Ouro que ele recebeu e pelo Oscar que deverá levar para casa, parece que finalmente Hollywood resolveu fazer uma reverência para o talento e a entrega deste ator.



The Fighter não se resume apenas a Christian Bale. A verdade é que o diretor David O. Russell e os produtores deste filme, incluindo os “todo-poderosos” irmãos Weinstein, souberam escolher a dedo o elenco que nos conta esta história. Todos os atores principais estão ótimos e convincentes, ainda que, a exemplo de Bale, algumas vezes eles parecem se esforçar “demais” na interpretação. Talvez apenas Mark Wahlberg, em sua interpretação muitas vezes “reticente”, pareça um pouco mais natural. Com isso, não quero dizer que os atores não estejam bem. Eles estão. Mas, em um momento ou outro, parecem exagerar na interpretação.



Começo falando tanto do desempenho do elenco porque este, sem dúvida, é o ponto alto de The Fighter. O roteiro de Scott Silver, Paul Tamasy e Eric Johnson, baseado na história dos dois últimos e mais Keith Dorrington, tem seus altos e baixos. Ele se mostra interessante ao pegar um tema bastante explorado pelo cinema, o do “herói” do boxe, do rapaz pobre que ascende por sua entrega ao esporte, e ampliá-lo.



O esforço de Micky Ward lembra, como parece ser inevitável quando falamos de filmes sobre o boxe, dos primeiros episódios envolvendo Rocky Balboa. Mais que isso, sua rotina sem estrelato e com muito esforço, incluído aí a entrada em “roubadas”, reproduz bastante da realidade do esporte e de tantos de seus “heróis”. Mas as semelhanças com filmes anteriores termina aí, nas cenas de treinamento e uma ou outra de luta sobre o ringue – e dos bastidores de negociações. Porque The Fighter procura revelar o entorno que envolveu a história de um entre tantos boxeadores dos Estados Unidos que chegaram ao topo da carreira.



Mais do que estas cenas conhecidas de treinamentos e lutas, The Fighter explora o ambiente familiar do lutador, a sua disputa por reconhecimento da mãe e das demais pessoas da família e, ao mesmo tempo, a batalha que ele trava para sair da sombra do irmão. Por este lado, o filme pode ser visto como uma reflexão entre tantas possíveis e que afetam diferentes áreas esportivas e de negócios. Quantas histórias já não ouvimos de irmãos que disputam o controle de empresas ou que se engalfinham para conseguir um holofote a mais nos palcos da vida – sejam eles esportivos, culturais ou na área que for?



Acrescentamos a este contexto ainda o tema das drogas. (SPOILER – não leia se você não assistiu ao filme). E não falamos de um problema qualquer, mas de um viciado em crack. Por este lado, The Fighter serve como um alerta interessante e importante de como esta droga, considerada uma das piores de todos os tempos, pode chegar a todas as partes. Inclusive em um ambiente que, para muitos, é quase “imaculado”: o dos esportes. Antes mesmo de sabermos o nome do problema enfrentado por Dicky, fica evidente que ele tem um problema, e dos grandes. Algo que todos percebem, mas que muitos ignoram – o que reflete, mais uma vez, a realidade vivida por muitas pessoas fora dos cinemas.



Voltando a falar das interpretações, não é por acaso que Melissa Leo, que interpreta a mãe de Micky e Dicky, também levou para casa um Globo de Ouro, como Melhor Atriz Coadjuvante. Mesmo não concordando que ela teve a melhor interpretação do ano, entre as atrizes em disputa, devo admitir que a sua interpretação da forte Alice Ward merece ser aplaudida. Ela dá o tom exato para a mulher preocupada em educar os filhos, em equilibrar as relações dentro de casa e, claro, administrar as finanças domésticas. Equilibrando o perfil de mulher ambiciosa, injusta, amorosa, determinada, interesseira, “chefe da família” e, mais que tudo isso, humana e passível de erros e pedidos de perdão, a atriz rouba a cena da estrela Amy Adams. Apenas em alguns momentos, como ocorre com Bale e a própria Adams, Melissa Leo cansa um pouco por uma interpretação exagerada.



A negação da família para o problema de Dicky, a forma diferente com que cada um lida com este problema e as “interferências” da personagem Charlene Fleming (Amy Adams), a nova namorada do caçula de Alice Ward, tornam a história interessante além dos ringues. A exploração vivida por lutadores menos conhecidos, o tipo de situação e as lutas injustas às quais eles tem que se sujeitar até conseguirem se tornar campeões em alguma categoria, também fazem parte do contexto explorado pela história.



Ainda que ela seja rica e tenha muitos elementos que podem servir de alerta e para tirar o “glamour” do ambiente do boxe, esta história cansa um bocado por ser tão óbvia. Não há surpresas. Sabemos o que a droga faz com as pessoas, assim como temos uma boa ideia dos bastidores do boxe depois de tantos outros filmes terem explorado estes temas. Talvez o contexto familiar e da cidade de Lowell, tão carente de heróis – como tantas cidades dos Estados Unidos e do mundo, que insistem neste modelo de projeção para suprir suas próprias carências sociais – seja o diferencial desta produção, realmente. Sim, esta produção tem uma visão “social” diferenciada e, junto com as interpretações dos atores e alguns outros aspectos técnicos, faz valer o ingresso. Ainda que não seja tão emocionante e/ou impactante quanto poderia.



NOTA: 9.



OBS DE PÉ DE PÁGINA: Além do olhos esbugalhados e a magreza impressionante de Christian Bale, uma das primeiras características que chamam a atenção no início do filme é a direção de fotografia de Hoyte Van Hoytema. Para conseguir o efeito que vemos na tela ele e o diretor David O. Russell utilizaram câmeras dos anos 1990. Os equipamentos rodaram as cenas que reproduziram o documentário feito pela HBO do vício de Dickie Eklund e também as cenas de luta sobre os ringues. Um cuidado a mais para ambientar o espectador na história e dar maior “veracidade” para a produção.



Falando em história real, como os créditos deste filme deixam claro desde o começo, The Fighter narra parte da vida de Richard Eklund e seu irmão mais novo. Segundo este texto da Wikipédia, a carreira de Eklund no boxe durou 10 anos, de 1975 até 1985. O seu momento de “glória”, bem explorado por The Fighter, foi a luta que teve contra Sugar Ray Leonard em 1978. (SPOILER – não leia se você não assistiu ao filme). Interessante que o filme não deixa claro se Eklund ganhou ou não a luta. Mas o texto da Wikipédia deixa claro que, ainda que tenha lutado muito bem, Eklund perdeu a luta por decisão unânime dos árbitros. Em sua trajetória como pugilista profissional, Eklund ganhou 19 lutas, sendo quatro por nocaute, e perdeu 10.



Segundo o mesmo texto da Wikipédia (SPOILER – não leia… bem, você já sabe), Eklund começou a usar crack depois que parou de lutar, em 1985. O filme America Undercover, da HBO, acompanhou a rotina dele por um ano e meio. O documentário High on Crack Street: Lost Lives in Lowell acompanhou o ex-pugilista e outros dois viciados em sua cidade natal. Mas diferente do que o filme mostra, Eklund não foi condenado a uma pena de mais de 10 anos de prisão apenas por ter agredido a um policial. Ele foi acusado, na época, por envolver-se em tentativas de roubo, sequestro e outros crimes. Chegou ao fundo do poço e ainda cavou um pouco mais.



Na tentativa de diferenciar-se de outros filmes, The Fighter acaba se focando demais na história de Eklund. Como aquele mesmo texto da Wikipédia e tantos outros deixam claro, o irmão mais velho de Micky Ward teve uma importância infinitamente menor para o boxe do que o homem interpretado por Mark Wahlberg. Ok, há quem argumente que, sem Eklund, talvez não existisse Ward – como pugilista, pelo menos. Até pode ser. Um irmão como Eklund influencia muito o garoto que veio depois… mas no filme o talento de Ward acaba sendo eclipsado pelo espaço que Eklund toma da história – e não apenas uma questão de desempenho nas atuações, mas de tempo e de foco do roteiro dado para cada um dos personagens.



E como era de se prever, quando surgem os créditos finais, as pessoas que vemos em cena são os verdadeiros Mickey Ward e Dicky Eklund. Duas figuraças, sem dúvida. Quem quiser saber mais sobre o Eklund, aqui é possível acessar a página oficial dele. Além de aparecer com o irmão nos créditos finais do filme, ele treinou Christian Bale e foi consultor da produção.



Neste outro texto da Wikipédia, é possível saber um pouco mais sobre a vida e a carreira de Micky Ward. Ele começou a lutar profissionalmente em 1985, justamente quando o irmão deixou os ringues. Depois de várias vitórias, Ward perdeu quatro lutas consecutivas e deu uma parada na carreira em 1990. Diferente do que é mostrado no filme, o pugilista teria voltado a lutar depois que Eklund, ao sair da prisão, o convenceu para isto. Ou seja: Eklund teria uma participação maior no êxito do irmão do que é mostrado na produção.



Em sua carreira, Ward contabilizou 51 lutas, tendo 38 vitórias, 27 por nocaute, e 13 derrotas. Algumas destas lutas foram eleitas pela revista especializada The Ring como as lutas de seus respectivos anos. As disputas com Arturo Gatti, bastante violentas, tornaram o pugilista famoso – em duas das três disputas entre eles os pugilistas acabaram tendo que ir para o hospital. Ward também tem um site oficial, que pode ser acessado neste link.



Além dos atores já citados, vale a pena comentar o bom desempenho de coadjuvantes como Jack McGee, que interpreta a George Ward, pai de Micky e segundo marido de Alice; e as participações especiais de Mickey O’Keefe e Sugar Ray Leonard interpretando a eles mesmos.



As cenas de luta foram muito bem planejadas e filmadas. Certamente deu um bocado de trabalho ter que reproduzir, com o maior nível de fidelidade possível, cenas de luta que realmente aconteceram. Mérito do diretor e de sua equipe – valendo citar a editora Pamela Martin.



Este filme só existe porque Mark Wahlberg investiu mais de quatro anos de sua vida para viabilizá-lo. E outros quatro dedicados a treinamentos para interpretar o papel principal. Chegou a procurar Martin Scorsese, mas não conseguiu convencer o diretor a filmá-lo. Segundo este texto de Bob Tourtellotte, da Reuters, Wahlberg ficou tão interessado por esta história porque viu muitos pontos em comum da sua biografia com a de Micky Ward. De acordo com o texto, os “dois cresceram na região de Boston, em famílias com nove filhos. Ambos foram garotos briguentos”. Além disso, Wahlberg acompanhou a carreira de Ward.



The Fighter estreou no dia 10 de dezembro em alguns cinemas dos Estados Unidos mas entrou, definitivamente, no circuito comercial uma semana depois. Dois dias antes, estreou nas Filipinas.



A produção, que custou US$ 25 milhões para ser realizada, conseguiu, até o dia 16 de janeiro, pouco mais de US$ 67 milhões nas bilheterias dos Estados Unidos. Está dando lucro, mas certamente pode conseguir um desempenho melhor conforme os prêmios forem chegando – especialmente o Oscar.



Até o momento, The Fighter recebeu dois Globos de Ouro e outros seis prêmios, além de ser indicado para outros 16. Os Globos de Ouro foram para Christian Bale e Melissa Leo, ambos apontados como os melhores Ator e Atriz Coadjuvante de 2011. Bale recebeu ainda o prêmio de Melhor Ator Coadjuvante pela Sociedade dos Críticos de Boston, no importante National Board of Review e pela Associação de Críticos de Washington DC. Além do Globo de Ouro, Melissa Leo foi premiada pela associação de Washington. O elenco do filme recebeu ainda o prêmio da Sociedade de Críticos de Boston, e o diretor David O. Russell ganhou como Diretor do Ano no Festival Internacional de Cinema de Palm Springs.



Os usuários do site IMDb deram a nota 8,3 para The Fighter. Os críticos que tem textos linkados no Rotten Tomatoes foram um pouco mais generosos: dedicaram 156 textos positivos e apenas 20 negativos para a produção, o que lhe garante uma aprovação de 89% – e uma nota média de 7,9.



CONCLUSÃO: Um história familiar que envolve o boxe, as drogas e a superação de problemas e desafios. The Fighter é baseado em uma história real e, por isto mesmo, expõe com legitimidade estes assuntos. Bem dirigido e com um desempenho bastante uniforme e de entrega de seus atores principais, este filme surpreende pela unidade e pelas boas intenções. Pena que, mesmo tornando o universo do boxe muito mais complexo e “humano”, este filme não consiga realmente surpreender ou emocionar. Para os que já assistiram a várias produções do gênero e acompanharam os melhores trabalhos dos atores envolvidos, The Fighter não surpreende. Os atores estão bem, a história é interessante, mas nem o filme e nem o elenco conseguem transformar esta peça de cinema em uma obra-prima ou um produto acima da média. É bom, mas há outros filmes melhores nesta mesma safra. De qualquer forma, vale a pena ser conferido pelos elementos comentados anteriormente, especialmente pelo desempenho dos atores e pela história curiosa de dois meio-irmãos que entregaram as suas vidas para a paixão do esporte do boxe.



PALPITE PARA O OSCAR 2011: The Fighter me surpreendeu ao receber seis indicações para o Globo de Ouro. Ok, eu esperava que a produção fosse indicada nas categorias de Melhor Filme – Drama, Melhor Ator Coadjuvante, Melhor Atriz Coadjuvante e, talvez, Melhor Diretor. Mas foram um pouco surpreendentes as indicações para Melhor Ator e Melhor Atriz.



Com a força do nome Weinstein na produção e, claro, a qualidade do filme, The Fighter deve repetir boa parte das indicações no próximo Oscar. Contribui para isso também outros dois fatores: a boa recepção que o filme teve e está tendo com a crítica e o fato do Oscar ter espaço para 10 produções serem indicadas na categoria de Melhor Filme.



Acredito que The Fighter deve ser indicado nas categorias óbvias (Melhor Filme, Ator e Atriz Coadjuvante) e, talvez, emplaque em alguma outra, como Melhor Diretor. Chances reais para ganhar algo? Aposto em Christian Bale para ganhar como Melhor Ator Coadjuvante. E só. Claro que a Academia pode seguir os passos do Globo de Ouro e premiar a Melissa Leo. Não será uma injustiça, porque ela está bem, muito bem no filme. Mas, cá entre nós, eu prefiro Mila Kunis em Black Swan. Achei um trabalho mais interessante e cheio de nuances. O desempenho de Leo é bastante reto e previsível. Além disso, podem entrar na disputa Helena Bonham Carter, por seu desempenho em The King’s Speech; Jacki Weaver por Animal Kingdom; e Elle Fanning por Somewhere. A disputa será boa.



Não vejo que a produção tenha chances nas outras categorias, especialmente nas principais.



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