por Zeca Camargo
Eu começaria falando da Magali, se alguns leitores não reclamassem que eu dou muitas voltas antes de chegar ao assunto principal… Talvez, de vez em quando, eu faça isso mesmo, caro leitor (cara leitora) impaciente. E se assim o faço, garanto, jamais é no intuito de distraí-lo ou distraí-la. Pelo contrário, a intenção é sempre seduzir para a leitura – um truque velho, que todos que gostam de um bom texto um dia aprenderam com a heroína de “As mil e uma noites” (que sempre adiava o desfecho de sua história, se bem que menos com o objetivo nobre de encantar o seu ouvinte do que prolongar a própria vida).
Mas, veja só, apenas ao escrever o parágrafo acima já estou dando motivos para que tal disperso leitor (ou dispersa leitora) me acuse novamente de “enrolação” – algo que, você que está acostumado a vir aqui sabe que prefiro chamar de “divagação”… Então vamos direto ao assunto de hoje – que é, como prometi no post anterior, sobre “o musical do Homem-Aranha” na Broadway!
Como coloquei na semana passada, não foi uma decisão simples. Considerei vários prós e contras – e acabei decidindo desembolsar os cerca de R$ 350 para ver “Spider-man: turn off the dark”.
A primeira surpresa veio na própria facilidade de comprar um ingresso. Afinal, este é um dos espetáculos mais falados dos últimos tempos na Broadway – não apenas por se tratar de uma adaptação da história de um dos heróis mais queridos dos quadrinhos (o próprio Homem-Aranha), ou pelas pessoas envolvidas no projeto, como Bono e The Edge (assinando as músicas), e Julie Taymor (que assinou, entre outros trabalhos, um clássico moderno da Broadway, a adaptação de “O rei leão”), mas também porque toda a produção tem vivido uma espécie de “maldição”, com problemas que vão de constantes estouros de orçamento (que já está na casa dos 65 milhões de dólares!) a graves acidentes com membros do elenco, que se machucam nos arriscados efeitos especiais que fazem o próprio Homem-Aranha (e outros personagens) “voar”…
Com todo esse “currículo”, achei que seria impossível conseguir um ingresso, mesmo nesse período de ensaios abertos para o público (a estreia oficial do musical é dia 15 de março). Porém, decidi ir com uma amiga menos de 24 horas antes da performance da matinê de quarta – e lá estavam, no site oficial do espetáculo , dois ingressos me esperando. Escolhi de propósito sentar no balcão, onde, segundo alguns textos que havia lido na internet, seria possível apreciar melhor algumas das acrobacias dos atores – e me dei muito bem.
Especialmente no primeiro ato, quando tudo funcionou (quase) perfeitamente. Por todos os incidentes recentes, a expectativa da platéia, mesmo antes de a cortina de segurança subir, é de que alguma coisa pudesse dar errado. Cientes disso, membro da produção alertavam a platéia de que aquele era um ensaio aberto, que alguns problemas poderiam surgir, devido à complexidade e sofisticação das traquitanas de palco – e que, claro, eles contavam com a nossa compreensão.
Um assistente do teatro, daqueles que te ajudam a encontrar seu lugar na plateia, foi especialmente veemente com a amiga que estava comigo (e que se sentou no corredor), avisando que não deveríamos nem pensar em sair do lugar. “Sobretudo no número do Chrysler Building, você não deve se mexer!”, insistiu ele “con gusto”, lembrando que por ali passariam alguns atores (o próprio Homem-Aranha, quem sabe?) e que qualquer movimento de nossa parte seria extremamente perigoso!
Um assistente do teatro, daqueles que te ajudam a encontrar seu lugar na plateia, foi especialmente veemente com a amiga que estava comigo (e que se sentou no corredor), avisando que não deveríamos nem pensar em sair do lugar. “Sobretudo no número do Chrysler Building, você não deve se mexer!”, insistiu ele “con gusto”, lembrando que por ali passariam alguns atores (o próprio Homem-Aranha, quem sabe?) e que qualquer movimento de nossa parte seria extremamente perigoso!
Cheguei a pensar se era o caso de telefonar para o Brasil e avisar parentes e amigos que eu estava prestes a viver uma experiência de alto risco, mas antes de eu ligar novamente o celular – que havia sido desligado sob ameaça de morte, também pela produção, atenta à possibilidade de alguma filmagem pirata! -, as luzes já estavam sumindo, o palco já começava a se mover e a primeira cena de “Spider-man: turn off the dark” já estava rolando.
A expressão “o palco já começava a se mover” soa estranha, eu sei. Quem se move, geralmente, são os atores… Mas este não é um espetáculo convencional – e esse início já indicava que você poderia esperar qualquer tipo de surpresa. No caso, o chão do palco havia se transformado em uma fachada de um arranha-céu, onde uma vítima inocente estava pendurada por uma corda – que se soltava antes que nosso herói conseguisse chegar para salvá-la. Tudo acontece tão rápido, que você quase nem percebe que Taymor aplica ali seu primeiro truque visual, mudando completamente a perspectiva do palco: no lugar de um cenário frontal, temos um ponto de vista vertiginoso e surpreendente. Eu já estava começando a gostar…
Para deixar tudo mais didático, o musical tem um time de garotos – e uma menina, que vai “criando” uma história para o Homem-Aranha. O truque acaba funcionando: quem já conhece o super-herói não se aborrece com a narrativa, e quem eventualmente não sabe do que se trata (será que alguém que paga R$ 350 para ver essa extravagância não sabe do que se trata?) pode seguir a trama sem problemas. A partir daí, a diversão realmente começa.
Os fãs de Taymor vão ficando extasiados a cada novo cenário que ela cria. E os fãs do U2 – eu sei, eu sei, não é oficialmente o U2, apenas Bono e The Edge, mas você me entende… – vão reconhecendo aqui e ali canções que potencialmente poderiam estar num próximo álbum da banda. A genialidade desses artistas merece muito mais do que uma frase. Então, permita-me aprofundar…
Primeiro a linguagem visual de Taymor. Fortemente escorada nas referências de quadrinhos, ela brinca o tempo todo com a perspectiva do palco e com nosso ponto de vista. De cara, a escola onde Peter Parker (que ainda não é o Homem-Aranha) e Mary Jane estudam é um espaço cubista – que contém ao mesmo tempo os lados de dentro e de fora. Em seguida, uma surra que Parker leva dos colegas atualiza as antigas lutas do seriado de “Batman” na TV – com direito a palavras como “Pow!” e “Bang!” explodindo ao vivo em cena! E logo depois ainda vemos uma belíssima solução visual para mostrar o cotidiano suburbano de Peter e Mary: grandes painéis com casas pintadas que se desdobram em múltiplas combinações, e retomam inclusive o jogo de “dentro e fora” da escola, enquanto no alto do cenário, uma miniatura de trem passa de um lado para o outro, quase que de maneira poética. O momento é belíssimo, ajudado pela primeira música de verdade do U2 – ooops, eu sei, de Bono e The Edge… (mas mais sobre isso daqui a pouco).
Logo estamos no laboratório do cientista Norman Osborn – e mais uma vez Taymor mexe com nosso labirinto. As dramáticas linhas diagonais do cenário são tão simples quanto eficientes para criar uma imagem futurista e grandiosa, preparando o momento em que Peter recebe a picada da aranha que lhe dará superpoderes. A partir daí as coisas começam a ficar ainda mais interessantes! Dentro do seu quarto, ao testar pela primeira vez seus novos dons, Peter pula com leveza de uma parede para outra – e mesmo para o teto -, num cenário todo molengo e desestruturado. O efeito é fascinante e mexe com qualquer criança (inclusive os adultos que não esquecem que foram crianças) que já teve fantasias de voar…
Peter Parker então já está pronto para incorporar o Homem-Aranha – guiado “espiritualmente” pela divindade Arachne (uma boa desculpa para Taymor criar oníricas teias de aranha espalhadas pelo enorme palco). Nosso herói começa a combater o crime e intimidar bandidos – e é nessa hora que ele faz seus primeiros sobrevoos pela plateia. Ali de onde eu estava – cadeiras C 101 e 102, terceira fila do balcão -, ele passava raspando… E eu não tenho vergonha de admitir que voltei a ter uns 8 anos de idade, vibrando só de ver aquilo acontecer.
A cena, claro, é fruto de um bem orquestrado jogo de cabos de aço, mas quem é que está reparando nisso? Estamos – todos nós na plateia – estupefatos demais para tentar descobrir os detalhes da cena. Nossa atenção é rapidamente sequestrada de volta ao laboratório de Norman Osborn, para ver sua metamorfose. Por um “acidente”, ele se torna o terrível Duende Verde – e declara o Homem-Aranha como seu inimigo mortal. Tudo então se encaminha para o clímax desse primeiro ato, que é a batalha voadora entre nosso herói e o Duende.
Quando ela começa, você já está quase de pé na cadeira – imprudentemente esquecendo a recomendação dada no início para ninguém se mexer (essa é a tal cena do Chrysler Building!). A perseguição é mesmo sensacional. Os dois atores voam ao mesmo tempo, explorando todo o espaço do teatro, e chegam até a se cruzar: a certa altura, o Homem-Aranha “pousa” nas costas do Duende Verde – e eu não faço ideia de como isso acontece (como aqueles cabos não se enrolam??). Mas, de repente, quando a ação está no auge, eu reparo que os fios que seguram o Homem-Aranha em pleno ar estão se envolvendo numa espiral… Por alguns segundos achei que seria um novo efeito especial – mas que efeito especial, que nada! A cena tinha acabado de ser abortada – o equipamento “deu pau”. Tudo estava paralisado…
Difícil descrever a decepção que rolou geral entre o público. Enquanto o Homem-Aranha era içado de volta ao palco, lentamente, ele até tentava fazer algumas gracinhas com a plateia, mas nada seria capaz de recuperar a energia do espetáculo àquela altura. Como que para “dar uma força”, muita gente aplaudia, outros davam gritinhos de encorajamento, mas quando a história foi retomada (sem que víssemos o resgate de Mary Jane de uma gárgula do edifício Chrysler), saímos todos meio desanimados…
Para “levantar os ânimos”, comecei a recapitular, com minha amiga, as músicas de Bono e The Edge – e chegamos à conclusão que a tarefa da dupla de criar um clima de musical de Broadway e ao mesmo tempo deixar sua marca havia sido cumprida com sucesso. Canções como “No more” (o dueto de Peter e Mary quando estão voltando para casa da escola) e “Rise above” (quando morre o tio de Peter) são “de primeira linha”. E a guitarra inconfundível de The Edge está presente – e como! – em sequências como “Bouncing off the walls” (quando Peter brinca no quarto) e “Pull the trigger” (no laboratório de Norman). E foi essa vontade de ouvir mais músicas boas deles – e mais alguns efeitos especiais estonteantes – que nos fez voltar animados para o segundo ato. Mas aí…
Aí, parece que todo o esforço de encantamento do primeiro ato exauriu a capacidade criativa de todo mundo. “Turn off the dark” torna-se um musical convencional, com baladas “xaropadas” e cenas sem emoção. Parker rejeita seus super-poderes para viver o amor com Mary. A cidade (e o mundo) é tomada por bandidos – o que nos proporciona o momento mais visual desse segundo ato, com um balé de gigantescos painéis luminosos. Mas o dilema de Parker – volto ou não volto para a roupa de Homem-Aranha? – não convence. Tampouco seu romance com Mary. O “duelo” final entre Peter e Arachne chega a ser constrangedor de tão sem graça… E as músicas? Bem, vamos parar por aqui pelo amor e respeito que eu tenho por Bono e The Edge…
Com tudo isso, o final é um anticlímax. “Deveríamos ter saído no intervalo”, comentou minha amiga – e eu não tinha como discordar. Pelo menos teríamos saído com a melhor das lembranças – mesmo com aquele pequeno incidente… Caminhando no vento gelado por Times Square, ficamos lembrando dos bons momentos do primeiro ato, e concluímos, finalmente, que nossa tarde não havia sido de todo perdida. Pagamos caro, de fato. Mas achamos que cada “cent” tinha valido a pena.
Afinal, mesmo com todos os problemas, “Spider-man: turn off the dark” é um espetáculo único – parte concerto de rock, parte Cirque du Soleil, parte história em quadrinhos, parte filme de ação, e parte “pura fantasia”. Se o esforço de colocar tudo isso junto nos pareceu um tanto quixotesco, tanto melhor. Arte vive também disso, desses delírios – e mais uma vez eu só posso agradecer que existe gente como Julie Taymor para, como diz uma outra amiga minha, “jogar a lanterna lá na frente” e apontar para onde a gente deve ir. Diverti-me como há muito tempo não fazia dentro de um teatro – a última vez, acho, foi quando fui assistir à remontagem de “Hair”. E é de obras de arte assim, de momentos criativos como esses, que precisamos para esquecer das coisas chatas da vida – que, só lembrando, nunca são poucas…
Mas será que precisamos sempre de um evento grandioso como esse musical para nos divertir? Claro que não – e para provar isso, convoco aqui Magali!
Na última sexta-feira, ainda virado da viagem a Nova York, fui jantar com um grupo de amigos, quando alguém me perguntou se eu já havia visto Magali dançando no Largo da Carioca – uma praça no centro do Rio de Janeiro. Respondi que não, e fui praticamente obrigado a procurar esse vídeo ali mesmo no youtube, usando meu celular. Achei que era mais uma dessas bobagens virais – a “última da semana”… E era! Só que é a coisa viral mais sensacional que eu já vi desde… Sei lá… Desde a “dança do quadrado”?
Trata-se de uma menina vestida de Magali (sim, o personagem de Maurício de Sousa), com cabeção e tudo, que, aparentemente, é contratada para distribuir folhetos de uma loja no próprio Largo da Carioca. Mas isso não é tudo… Quando toca uma música que ela gosta, “Magali” dança enlouquecidamente – e transforma uma tarde rotineira no centro do Rio em uma performance triunfal!!!
Duvida? Então confira você mesmo aqui . Já são mais de meio milhão de acessos – e “Magali na Carioca” está virando objeto de culto!! A ela eu desejo muito sucesso – e que nossa diversão possa sempre depender de coisas tão diversas (e incríveis) como “Turn off the dark” e um boneco de cabeção dançando “California dreamin’ ” no meio da rua…
(Falando em tipos diferentes de diversão, parece que enquanto eu estava fora, surgiu um movimento no twitter para que as pessoas trocassem o “BBB” pela leitura de um livro. Achei curioso, mas o que me chamou mais a atenção foi uma “resposta” que o movimento recebeu, com gente “twitando” para acusar a proposta de,hum, “elitista”… Ler livro então é elitista? Faça-me um favor! Isso só pode ser verdade num país que não respeita a educação – ou num grupo que acha que a única informação que eles precisavam vem daqui, da própria internet… Ora… Quem disse que não é possível gostar das duas coisas, ler e ver o “BBB”? Fala sério! Essa micro-pseudo-polêmica me deu nos nervos – e só de lembrar dela fico tão irritado que perco o foco do pensamento… E a consequência disso, qual é? Eu divago, claro… Na quinta falamos mais sobre isso, certo Sherazade?).
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