Em meio à recessão, filme passado nos anos 30 enche salas no Reino Unido ao recuperar imagem de potência mundial
Longa inspirado na história do rei George 6º concorre a 14 prêmios Bafta e a 12 Oscars e estreia amanhã no país
VAGUINALDO MARINHEIRO
DE LONDRES
Filas, lugares reservados com antecedência e aplausos no final da sessão, o que é incomum para os britânicos. Tudo fruto do furor causado no Reino Unido por "O Discurso do Rei", filme que estreia amanhã no Brasil.
Há cinco semanas em cartaz, "O Discurso..." continua em 553 salas e já arrecadou mais de 30 milhões de libras (R$ 81 mi). É mais de quatro vezes o que custou (7 milhões de libras, ou R$ 18,9 mi).
A película, que concorre a 14 prêmios Bafta no domingo e a 12 Oscars no final do mês, é o assunto nacional.
Até a rainha Elizabeth 2ª falou dele. Disse que se sentiu "tocada" ao ver na tela a história de seu pai, George 6º, o rei inseguro que luta contra a gagueira e consegue, enfim, fazer o discurso que marca a entrada do país na Segunda Guerra Mundial.
SAUDADES
Mas qual será a razão para mais um filme sobre realeza alcançar tamanho sucesso?
Como comparação, "O Discurso..." teve quatro vezes mais espectadores no final de semana de estreia que "A Rainha" (2006), também baseado em histórias reais.
Muitos acreditam que, além das qualidades do filme, "O Discurso..." faz os britânicos matarem a saudade do tempo em que eram uma potência mundial.
A ação se passa nos anos 30, quando o Reino Unido ainda era o "império onde o sol nunca se põe", com colônias espalhadas pelo globo.
Bem diferente da situação atual, em que o país precisa se adequar a seu tamanho e importância no mundo.
O Reino Unido luta para sair da recessão em que foi jogado com a crise financeira de 2008 e tudo no país hoje é superlativo no mau sentido.
Foi a maior recessão desde o final da Guerra; é a maior política de cortes de gastos públicos no mesmo período, com demissão de cerca de 500 mil funcionários públicos de um total de 6 milhões.
A inflação beira os 4% (o dobro da meta estabelecida); o desemprego entre os jovens passa de 25%. A economia patina e encolheu no quarto trimestre do ano passado, o que deixa a Alemanha, maior economia da Europa, cada vez mais distante.
Até um claro símbolo do império, o serviço mundial da BBC (que transmite notícias em 32 idiomas em todo o mundo) foi afetado. Criado em 1932, ainda na época do pai do rei gago, ele sofreu cortes e fechou as transmissões em cinco idiomas, incluindo russo e português para países africanos.
A China, potência da vez, faz o inverso e amplia o noticiário para o mundo via CCTV e Rádio China. Os britânicos, sem dinheiro, não têm mais como gastar com esse "soft power".
Com todos esses números, principalmente os mais velhos correm ao cinema para não afundar na depressão -as salas que exibem o filme registraram queda na venda de pipoca, indicativo da faixa etária avançada do público.
Com nostalgia, eles aplaudem ao assistir George 6º falar e ser ouvido por súditos nos quatro cantos do mundo. Dá até para ouvir murmúrios: "Deus salve o Rei".
O DISCURSO DO REI
DIREÇÃO Tom Hooper
PRODUÇÃO Reino Unido, 2010
COM Colin Firth, Geoffrey Rush e Helena Bonham Carter
ONDE estreia amanhã nos cines Espaço Unibanco Pompeia, Bristol, Kinoplex Itaim e circuito
CLASSIFICAÇÃO 12 anos
Filme é acusado de omitir atração pelo nazismo
DE LONDRES
Como quase todo filme baseado em personagens reais, "O Discurso do Rei" não escapou de críticas de historiadores que o acusam de ter distorcido os fatos.
O ponto mais atacado diz respeito à simpatia da família real por Adolf Hitler.
O filme não mostra, mas consta que David, o filho mais velho de George 5º, que chegou a tomar o lugar do pai para abdicar em seguida, era um claro defensor do ditador nazista.
Sua admiração não teria diminuído nem depois de o Reino Unido entrar em guerra contra a Alemanha, em 1939.
Há discordância entre historiadores de quanto esse pendor pró-nazismo colaborou para que ele fosse pressionado a abdicar em favor do irmão, que se tornaria George 6º.
O filme e a maioria afirmam que foi apenas uma questão pessoal: ele queria se casar com a americana Wallis Simpson, que era divorciada.
Outro equívoco histórico também estaria relacionado a David. Ele não estaria ao lado do pai no momento da morte do rei. Estava em um safári na África e se recusou a interromper a viagem quando soube da morte.
Winston Churchill é outra figura que aparece de forma incorreta. Na tela, ele apoia desde o início a abdicação de David e a subida ao trono de Albert.
Na realidade, foi um grande aliado do "nazista" David, o que lhe causou problemas políticos. (VM)
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq1002201116.htm
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